Parteiro às avessas

Quem aqui não conhece ou já conheceu uma boa parteira, dessas que vêem em socorro das mulheres apreensivas e doloridas e também da pequena criatura aspirante de gente humana. Uma parteira dessas, boas que nem Dona Loló de Ibitirama, dessas que traz ao mundo pra mais de 300 crianças.

Pois é, mas veja se alguém já ouviu uma história dessas que agora vou contar.

Num bate-papo com um recente amigo, numa tarde, sentado nos degraus aos pés da igreja do Arcanjo Santo, a espera das badaladas que prenunciam a Santa Missa, recebi como resposta um: _ “Parteiro às avessas”.

Imagine que um sujeito de boa expressão, tipo másculo. Não me parecia desviado de suas condições sociais sexuais, nem tão pouco, desviado de funções clínicas medicinais. Também não tinha tipo distraído ou desastrado.

Pedi que me esclarecesse.

Ele me deu uma olhada com a cabeça meio na horizontal, meio na vertical, me deu uma olhada, daquelas que te convidam a compadecer da dúvida do questionado e refletir com ele. Coçou a cabeça, pôs a mão no queixo de forma que o dedo indicador alcançasse a ponta do nariz, e me perguntou:

_ O senhor nunca viu um parteiro às avessas, ao contrário?

Meio sem saber o que responder, fitei por alguns instantes algumas nuvem que passeavam despretensiosas pelo céu, fazendo questão de explicitar minhas sobrancelhas que se transfiguravam, se separavam, uma mais acima e outra mais abaixo, tornando meu olhar reflexivo.

Tive que admitir. Nunca havia tomado conhecimento de tal profissão, e antes que eu pudesse reconhecer minha ignorância quanto ao fato, ele se justificou em defesa de seu trabalho.

_ Meu trabalho é um trabalho bom. Do que faço, até hoje nunca ninguém voltou pra reclamar. E olha que essa profissão é daquelas que nem todo mundo tem vocação. Mas to pra te confessar, como ia o mundo se virar sem a minha exatidão.

Ouvindo a justificativa, comecei a me ajeitar. Com que doutor, de qual instância estaria eu a falar? Ele completou.

_ Quietinho no meu canto, preparo a morada, observo o pranto da mãe, do pai, da esposa e do irmão. Quando completo já é o tempo, encaminho levando a uma nova etapa.

Aquelas explicações se misturavam em minha cabeça e eu já não sabia mais o que era início, nem meio, que dirá o fim da história.

_ Me desculpe, senhor, mas continuo não estendendo.

_ Coveiro, meu senhor, coveiro! Me diga o senhor se um coveiro não é um parteiro ao contrário.

Tenho que reconhecer, o homem era mesmo muito sabido, por mim até merecia uma medalha com título de parteiro “Parteiro mesmo”, desses que ajudam a trazer a vida na morada breve.

O sino tocou, ele sorriu, olhou pra uma saleta que ficava bem atrás da igreja e me disse:

_ Preciso ir agora, tenho que preparar pouso pra mais uma criatura de Deus.

E voltou-se a seu ofício, preparando um bom conforto para um corpo que já cansado se preparava para passar a vida, agora na morada eterna.

Eliane Correia