CIRCOS

Via pela TV uma apresentação do “Cirque Du Soleil”. Não encontro explicação do por que eu não admirar tanto assim a arte circense. Todos ali são muitos bons profissionais, invejáveis e não passa disto a minha admiração pelo esforço, treinamento, dedicação e vontade férrea de vencer e não bastasse isto, ser o melhor dentre os melhores na sua especialidade. É assim que os vejo: nada especial. Profissionais.

Mas por que eu não aprecio aqueles espetáculos? Quase certo foram devido às experiências com circo na minha infância lá no Córrego dos Índios.

Naquele tempo nós não tínhamos acesso aos jornais ou qualquer outro meio de comunicação que não fosse rádio ou de alguém que viesse de uma cidade maior e nos contasse as novidades. Eu tinha conhecimento da existência dos circos, mas não fazia idéia de como era.

Um dia soubemos que vinha um justamente para se apresentar lá na fazenda do vovô. Todo aquele circo, tudo mesmo, era composto por três pessoas e uma mala de tamanho médio e surrada. Nunca ninguém viu um circo tão pobre a ponto de solicitar ao vovô o galpão onde era abrigado o carro de bois para eles pousarem e fazer suas apresentações. Eram tão pobres que a cada dia um tinha de ficar confinado lá dentro, pelado, para que a sua roupa fosse lavada para vestir no dia seguinte. Horrível. Não gostei nada daquilo e nem me recordo se fui a outras apresentações, se é que as houve. Eu nunca podia imaginar o circo uma coisa tão boba, tão chata. Decepção.

Numa outra ocasião ficamos ouriçados porque íamos assistir ao espetáculo numa cidadezinha próxima ao Valão. Vovô e o Zé Mafalda colocaram umas tábuas em forma de assento na carroceria do caminhão, lotou aquilo de gente, reservando, como sempre, o malhal para vovó viajar de pé para não enjoar.

Chegamos lá não sei como. Depois que eu me formei, descobri que vovô tinha uma miopia que o permitia ver nítido somente uns quarenta, cinqüenta centímetros a sua frente. Dirigir aquele caminhão à noite, farol ruim paca, estrada de terra e cada pontilhão apertadinho que se ele passasse ali de olhos abertos ou fechados dava no mesmo. E ele nunca sofreu um acidente. Volto a dizer: naquele tempo havia poucos motoristas e Deus dava conta de olhar por todos. Só pode ser por isso. Milagre.

Lá eu vi um circo de verdade. Aquele trecão enorme fechado e coberto com aquela baita lona, picadeiro, mastro imponente, arquibancadas, tudo, tudinho como compadre Demétrio me falava. Mas eu não gostei nada daquilo que os artistas estavam fazendo. Naquela noite somente teria um teatro encenando a vida de Cristo. Foi então que eu entendi vovó topando a parada de ir tão longe.

Não tive a sorte de ver algum animal exótico, como o daquele circo também nada extraordinário que fazia turnês pelas cidades da baixada fluminense. Aquele tinha um leão. Velho, bem velho, com falhas na pelagem, juba escassa e alguns daqueles dentes magníficos de outrora já tinham ido pro beleléu. Mas seu nome era imponente: Le Roi. Talvez ainda herança das suas andanças pelas pradarias africanas, quando era cabra macho, dono de harém e mandava no pedaço. Agora, coitado, limitava-se a ficar deitado e cumprir a sua obrigação nos espetáculos e pronto; deixar o tempo rolar. Reinado já era.

Mas lá havia uma extravagância. O ingresso podia ser pago com dinheiro, como em todos os outros ou com um gato. Se levasse um gato, entraria de graça. Gato? É! Gato ou gata, tanto fazia. Filhote não. Não havia meia-entrada naquela época.

O seguinte: Le Roi era vidrado em comer gatos. Comer aí no sentido de alimentação não na outra conotação. (Nesta última ele já estava borocoxô e seu relógio biológico teve as engrenagens emperradas, parou às seis e meia e nunca mais saiu dali). Se lhe desse carne de frango, bovina ou qualquer outra ele não aceitava. Virava a cara pro lado, fechava os olhos, fazia careta e nos transmitia a nítida impressão de ser um convicto leão vegetariano. Picanha então até lhe causava náuseas.

Antes de o gato servir de almoço ou jantar para o exigente paladar do leão, ele também colaborava para a platéia se delirar, pois era a única coisa que fazia o velho felino levantar-se e dar o ar da graça: uns urrinhos fracotes e mandar patadas no gato quando o “domador” aproximava-o às grades da sua cela. E malandro ator induzia aos bestalhões assistentes que eles estavam lutando boxe ou numa feroz briga de rua. E a turma delirava. Um bando de jecas-tatus!

E assim o circo somente poderia ficar naquela localidade enquanto houvesse gatos. Para aquele circo gato era uma questão de sobrevivência. Se depois de duas sessões não aparecessem bichanos na portaria, tinha de se mandar pra outras paragens, pois somente pagar com dinheiro não ia dar em nada. Ter dinheiro e não ter gatos: eis a questão! Era um feedback e tanto: gatos mantinham Le Roi vivo e Le Roi mantinha o circo operante..

Depois do espetáculo, Le Roi dava um pau firme nos primos plebeus, mandava-os pro bucho, lambia os beiços e estalava a língua de tanto prazer. Seria uma tara daquele leão? Algum trauma da infância quando ele ainda pequenino se parecia com gato e levou cacete de um primo mais avantajado? Praga de mãe?

Ah! Sei lá! E também o que eu tenho com isto? Problema dele!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 29/01/2010
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