Quando saí para tomar um guaraná

Cidade do Rio de Janeiro. Verão. Noite de sexta-feira. Horário de pico. Acabo de chegar em casa, do trabalho, exausto e com fome. A mochila pesava nas costas, e o tênis parecia ter dez quilos! As pernas doíam, o corpo pedia um descanso. Eu estava muito cansado! Havia trabalhado o dia todo, sem conseguir tirar sequer um minuto para sentar-me e relaxar as pernas. Havia sido uma correria, o dia todo! Agora, em casa, o plano seria tomar um bom banho frio, comer alguma coisa, e ir descansar.

Salto do ônibus lotado, abafado e dirijo-me à entrada do meu prédio. Aguardo alguns instantes em frente a um semáforo, onde, por causa dos assaltos constantes, os carros não param nem mesmo no sinal vermelho (comum na Cidade Maravilhosa!). Consigo chegar à entrada do prédio, entro, dou um olá ao porteiro, que finge certa indiferença, ao apenas acenar com a cabeça para me cumprimentar, sem olhar em meus olhos. Não ligo. Sigo meu caminho, em paz. Quero apenas chegar ao meu apartamento, minha casa, meu lar doce lar, e repousar, descansar do dia trabalhoso e cansativo.

Tomo o elevador, que divido com um senhor, desconhecido para mim. Comum, para quem mora em apartamentos. Cumprimento-o sutilmente, ao que ele me responde de igual. Chego ao meu andar, despeço-me e trato de caminhar ao meu número, minha casa. Chego, abro a porta e já sou recebido pelo meu gato, que se aproxima de mim, enrosca-se em minhas pernas, e quando percebe que não estou em condições de dar carinho, ou atenção, afasta-se. Normal, para um felino. Não ligo, estou deveras cansado, para tanto.

Tranco a porta, ligo o PC, e vou direto para o quarto, onde acondiciono a mochila no cantinho próprio, e guardo todo o resto do material. Ponho a roupa para lavar. Ligo e programo a máquina, enquanto me preparo para o banho. Ao voltar para o quarto, ainda na cozinha, passo pela geladeira. Ela está ali, parada, parece olhar para mim, me seduz, me deseja, e eu a quero. Aproximo-me, abro a porta da mesma, e... apenas água e alguns restos de alimentos, que em nada me apeteceram, no momento. Não liguei. _ Depois arrumo algo para comer, pensei. Fui ao quarto, trouxe minha toalha, coloquei-a no ombro, e fui tomar meu banho, tão merecido! Ao som do tambor da máquina de lavar roupas, e do habitual som de iniciar, do Windows, tomei meu banho, que durou pouco mais de 20 minutos. Fui para o quarto, sequei-me, usei o desodorante, botei uma roupa leve, e voltei pra sala. Entrei no MSN, mandei alguns recados pelo ORKUT, li um ou dois e-mail’s, e percebi que ainda estava com fome, e ainda cansado.

Voltei à sedutora geladeira. Antes de abri-la, dessa vez, fiz uma pequena prece, esperando encontrar algo que saciasse a fome, e me desse sossego para dormir tranquilo. Abri-a. Nada havia mudado. Pouca fé, quem sabe, na prece. Ou, mesmo, falta de ir ao mercado, fazer compras. Seja lá qual for o causador da escassez na minha geladeira, decidi sair para comer algo.

Acho que, nessas horas, o bairro onde moro, tem lá suas vantagens, porque em frente ao meu prédio, passa a linha do trem, e passando pelo “buraco do padre” você atinge o ‘outro lado’ do bairro. Ali, logo na saída da passagem, tem uma pequena praça, com alguns pontos de comércio ambulante, e algumas opções para lanches. Uma delas, um trailer de um casal de evangélicos muito simpáticos, que sempre recebem muito bem aos fregueses. Ainda mais a um tão assíduo quanto eu. Sabem até o meu nome, e conhecem meus pais. Incrível! Cheguei ao famoso ponto. Pedi o “de sempre”, que eles já nem perguntam mais o que possa ser. Trata-se do meu pedido básico; dois 'egg-burguer’s' e um guaraná natural. Às vezes dois.

Enquanto comia - matando quem me matava - um colega de conversa na praça, abria seu coração, e contava suas desilusões amorosas a uma senhora, sentada ao nosso lado. Ele falava da namorada que havia “pedido um tempo para pensar.” Lamentava ter perdido a garota e dizia não saber o motivo do afastamento da mesma. Parecia triste, mas falava calmamente, sem expressar emoção profunda. Do outro lado, numa mesa próxima, uma linda mulher, negra, alta, linda, pela qual sou fascinado. Uma escultura de mulher! Fazia sua refeição, quase sem olhar para os lados. Contudo, flagrei-a olhando em minha direção, uma ou duas vezes.

Um pouco mais adiante, um grupo de dois amigos conversavam sobre as garotas que haviam beijado no ‘baile funk’ da última quarta. Um deles me viu, e veio cumprimentar-me. Ao que mais um ou dois colegas, também espalhados em mesas ali perto, repetiram o gesto. Eu, absorto em pensamentos mil, apenas fazia minha ‘refeição’ e curtia meu guaraná, que tanto gosto. Após, chegaram mais alguns clientes, desconhecidos para mim, mas, como costume no bairro, cumprimentaram-me com o famoso: _ "Fala, meu amigo! Beleza?" Ao que respondi de igual modo.

Terminado meu lanche, pedi outro guaraná natural, fui à barraca de açaí, pedi um de 500 ml, pois ainda estava com um pouco de apetite, e o calor pedia algo refrescante. Paguei as duas contas, sentei-me novamente ao lado do colega que ainda chorava suas mágoas. Ao me ver retornar, virou-se para o meu lado, e puxou assuntos diferentes ao dos de antes. Conversamos um pouco, e ao terminar meu açaí, despedi-me e vim para casa. No caminho, encontrei minha deusa de Ébano, que vestia um mini short, hiper provocante, insinuador, e uma blusinha típica de verão, muito sensual. Ela olhou para mim, mas nada disse, passou direto. Meus olhos, maldosamente seguiram-na, quase colados nela, quase a tocando. Ela, maldosamente, virou-se, e me pegou olhando, desejando, cobiçando seu corpo. Natural de mulheres provocantes e manipuladoras. Fiquei meio sem graça, pelo flagra, mas segui com meu exame detalhado.

Ela virou-se e seguiu caminho. Dotada com um lindo corpo, e um bronzeado natural e quente, numa pele sem manchas ou marcas, ela seguia seu caminho, lentamente, destilando charme, rebolando a cada passo, fazendo delirar, arrastando olhares, brincando com nossas mentes. Foi-se embora. Passou pelo ‘buraco do padre’, atravessou a rua, e sumiu na escuridão. Deixou um fascinante gostinho de quero mais! Aguçou o desejo! Aumentou o apetite! Deixou-me de boca aberta.

Quanto à mim, contentei-me com o voltar sozinho para casa, saboreando o gostinho do guaraná e do açaí, ainda fortes em minha boca. Tudo isso, numa sexta-feira a noite, quando saí para tomar um guaraná.

jony marcos martins, 29/01/10

Jony Marcos Martins
Enviado por Jony Marcos Martins em 30/01/2010
Código do texto: T2059225
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