RECORDAÇÕES

“Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão.

Mas as coisas findas,

muito mais que lindas,

essas ficarão.”

(Drummond – Memória)

A nostalgia eu a considero um libelo contra um futuro que se faz de presente na vida sem pedir licença, sem nos dar tempo de aceitá-lo. Resisto a todo novo que não se justifica em oferta de felicidade. Se estamos em algum lugar diferente do usual, chega um momento em que queremos retornar. Se estamos em uma condição de vida não muito agradável afetivamente, também chega um momento de desejo do retorno. Retornar para onde? Retornar para que? Normalmente para a segurança por vezes insuportável da nossa rotina.

Isso me faz lembrar algo. Estive em casa de meu pai durante as festividades de natal durante 4 dias e por melhor que estivesse o ambiente, toda a família reunida, bateu uma saudade de casa. Porque ela é a minha rotina. Escrever, cozinhar, ficar em casa, enfim. E afinal cheguei. E as recordações dos dias que lá passei são o registro mais evidente da minha vontade de voltar. Estava ruim? Ao contrário. É por gostar mesmo das recordações e para que elas não se percam em uma outra rotina é que resolvi voltar. Para ter mais assunto ano que vem, quando nos reunirmos todos novamente e contarmos casos do ano que passou e da infância. Esses são infalíveis. Talvez pelas marcas indeléveis que ela deixou. Talvez por querer que a nova geração de filhos e sobrinhos saiba o quanto foi bom e o quanto serve de estímulo para que eles construam a sua história também. Mas história a gente não constrói com intenção historiográfica. A gente constrói com propósito de satisfação pessoal ou de grupos. Só no momento do pensamento na posteridade é que há desejo de registro. E ele se dá em primeiro lugar com recordações.

Agora, aqui pra nós, a recordação não é um assunto que fica melhor encaixado dentro de uma música ou pelo menos embalado por ela? Não consigo embarcar nos momentos de memória afetiva sem um fundo musical. Na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, até que a morte me separe da matéria pensante, não consigo dissociar recordação e música.

Nesse arrebatamento, essa tal recordação é assunto que nos transforma a todos em poetas. O amor que guia os versos, o pensamento que leva para cantos recônditos, a emoção que cutuca o sentido da lembrança. Sempre que o presente se apresenta insosso e o futuro dá ares de pessimismo, as recordações me acalmam o espírito trazendo esperança diluída em saudade.

(Texto escrito para o site Duelos Literários como tema do mes de Dez/09)

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 30/01/2010
Código do texto: T2059297
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