Primeira Interação com a Morte

A morte é impressionante, chega nem avisa, nessa ultima semana tenho questionado sobre o assunto; em uma dessas reflexões lembrei de um caso de morte na família, bom, não é bem assim, nossa família não tem muitas perdas, alias, que eu me lembro foi apenas essa, ainda bem, talvez pelo fato de não ter muitos parentes também, apenas alguns tios e primos, avós já se foram antes de eu aprender a engatinhar.

Mas lembro desse caso, eu como qualquer outra criança adorava brinquedos, tinha vários, de todos os gêneros. Certa fez chega uma tia, convida todos para visitar seu pai, que não era exatamente meu avô, mas isso não importa.

Sim, ele estava doente, só então ela se deu conta e decidiu visitá-lo. No fundo todos sabiam que não lhe restava muitos dias de vida; mas eu não, eu nem tinha idéia, pra mim era mais uma descoberta; um “quase” avô era uma novidade. Empolgado fui ate o quarto apanhar alguns brinquedos que dos quais eu jamais me separava, sim era um boneco do Jaspion, um do Jiraya e uma mascara do SatãGoss, essa era a minha favorita.

Peguei minhas parafernálias e fomos, eu nem sabia da existência daquela cidade, daquela gente, do “quase avô”. Descemos do carro, e vem uma velhinha nos receber, quase não podia andar, muito magra, voz rouca. Já fiquei impressionado, aquilo não era algo comum no meu dia-a-dia, sempre tinha medo de pessoas idosas, talvez pelo fato de não ter tido contato com meus avós, gente velha pra mim era bruxa, iguais as do desenho animado.

Fomos acompanhados até a sala; uma casa simples, quadros de santos, figuras míticas, como São Jorge matando o dragão, um santo que nem sei qual é amarrado em uma arvore com algumas flechas no peito, aquele ambiente pra mim era totalmente novo, uma tv antiga, a imagem preta e branca, muito simples.

Mas lá na poltrona bem no canto da sala estava o tal falado “quase avô”. Eu ressabiado, fiquei olhando como quem vira um fantasma, não saia de perto da minha mãe, uma mão segurando em sua perna a outra com os meus brinquedos, e a marcara do SatãGoss na cabeça, todos olhando pra mim, “oh.. que bonitinho, então esse é o tal menino, - sim meu sobrinho, tem xx anos (não lembro quantos anos tinha)”.

O tal velhinho, vendo que eu estava com meus bonecos de brinquedo, levantou-se e foi até o quarto, debilitado, quase não podia sustentar suas próprias pernas, alguns minutos depois ele volta com uma caixa, coloca na minha frente e fala para abrir. Eu estranhei, o que teria lá dentro? Uma caixa velha, ratos? Aranhas? Uma cabeça? Uma cabeça de criança?(minha imaginação era fértil, eu via muito filme de terror, desenhos, essas coisas que estimulam a imaginação de uma criancinha inocente).

Minha mãe percebendo que eu não abriria, ela o fez, quando olhei o interior da caixa, haviam um monte de brinquedos, carrinhos, bonecos, bonecos horrorosos, sujos, muito antigos. Tinha até uma pipa, estava rasgada, só a armação; ele disse que era pra mim ficar com os brinquedos. Estavam lá parados há anos.

Eu curioso, apesar do aspecto não ser muito atrativo, quis revirar pra ver se encontrava algo interessante; sim estava pisando em um mundo novo, tudo pra mim era uma descoberta. Então encontrei um boneco simples, tinha a cara de um cachorro de borracha, se apertasse o ar era impulsionado para fora, passando por uma espécie de apito que ficava na parte inferior do boneco, algo tão simples, mas eu adorei, era interessante, nunca tinha visto.

Então o velho vendo minha satisfação sorriu, como se ele soubesse que algum dia, alguém apareceria por ali e ele presentearia com a caixa de brinquedos. Por isso a guardou por tanto tempo.

Eu já me sentia a vontade, não eram bruxos, até me presentearam, brinquei algumas horas, e voltamos. Eu não me separava do brinquedo, além da minha mascara e dos super-heróis do seriado japonês, mais um favorito pra minha lista. Um cachorro que fazia barulho pela bunda rs.

Algum tempo depois, não sei ao certo acho que apenas algumas semanas, chega a minha tia, com óculos, mais um monte de gente que eu nem tinha idéia de quem eram.

Da uma notícia a minha mãe, eu estava de longe, mas podia perceber que era algo não muito bom, pela cara dos adultos.

Pronto, lá vamos nós de novo pra mesma cidade, mas dessa vez o carro parou em frente um cemitério, ao lado do cemitério tinha um lugar com velas, crucifixos, muitos bancos e no meio um caixão, eu já sabia, via muita TV, era um velório. Mas quem morreu? Perguntei a tia, a mãe, elas tentando esconder, falavam que era um amigo de um amigo.

Eu curioso, apensar de na época temer, estava curioso pra ver quem era o defunto, a cara do finado, pedia a elas pra me levantar, sempre o pedido era negado, isso não é para uma criança, vamos esconder os fatos, deixá-lo vivendo nessa fantasia.

Então eu avistei um tio, sim, aquele tio que sempre te deixa fazer coisas erradas, mandava chamar as mulheres de “boazuda”, na época eu nem tinha idéia do que tava falando, achava que era uma saudação, elas riam quando eu dizia; pedi a ele então que me erguesse, eu queria ver o quem havia morrido, ele na hora me pegou levantou, ali minha curiosidade sumiu, era ele, o velhinho, o “quase avô”.

Eu fiquei chocado, foi a minha primeira “interação” com a morte, quando eu realmente entendi que as pessoas morrem, ainda há poucos dias ele me presenteara com brinquedos, falou comigo, estava vivo, como poderia ter morrido “de repente”? Aliás, ele estava doente? Foi uma tremenda surpresa.

Olhando uma foto de um cemitério, sim, gosto de ver os túmulos, é uma vista agradável, a arquitetura; apesar de que não costumo freqüentar tais lugares. Fico imaginando: quantos segredos enterrados, muitos jamais serão desvendados, vidas, sonhos, uns realizados, outros não, historias de vida, pessoas, historias diferentes, vidas diferentes, mas acabaram todas no mesmo lugar; tornaram-se simplesmente NADA, uns lembrados, homenageados; outros não... Esses a existência passou desapercebida. Como morreram? Jovens, velhos, mortes em vão, gostavam de viver? Muitos sim, outros não, Alguns nem tiveram a oportunidade se quer de entender que estavam vivos.

Pior é saber que um dia estarei lá...