Leituras inesquecíveis VII: Lendo os cronistas

"Crônica, do grego chrónos, tempo, cronicar, feito Tácito, relatar o tempo ou tempos.Por que nós, brasileiros, fizemos do gênero especialidade da casa — feito muqueca de peixe ou tutu à mineira?
Eu, pela parte que me cabe — e é pouquíssima a parte que me cabe —, eu tenho minhas teoriazinhas..."*                   
      
             



                   Caso  alguém me pergunte qual a minha lista de “coisas boas da vida”, direi que uma delas é ler muito e ler crônicas em especial, mesmo que muitos afirmem que a crônica é um gênero efêmero, com prazo de validade, vida curta, portanto.
                     Li por aí que a crítica literária abre excessão para Rubem Braga, gênio que se celebrizou escrevendo exclusivamente esse gênero embora, como leitora, eu identifique em seus escritos contos memoráveis, prosas poéticas lindísimas, enfim, cada texto que leio e/ou releio tomo aulas de lirismo e competência.
                 E mesmo que seja sobre um assunto de consumo imediato (vejam o que se escreve sobre o BBB 2010, só para citar um exemplo), o fundamental é a leveza  e/ou a intensidade como o autor/a articula seus argumentos, pois a crônica além de ser um dos retratos de uma época, é um dos gêneros mais completos do processo de escrita.
              Por seu caráter narrativo, coloquial e confessional até, numa boa crônica circula desde a informação que fundamenta o enredo, a argumentação sobre o tema em pauta, até a linguagem poética do olhar de quem escreve. Circula a inventividade, o bom ou  o mau gosto, a alma que ali se expõe em opinião,  em nível de conhecimento, em habilidade de escrita.
               Nem preciso enfatizar o quanto me envolvo e estabeleço uma interlocução imediata, com os textos que leio independente do gênero, porém, com a crônica nunca me vi impassível, pois intimamente, tomo posição: concordo, discordo, irrito-me, surpreendo-me, encanto-me, entristeço-me, alegro-me com o posicionamento do autor/a, com a linha de argumentação que adotou para o texto.
               Descobrir, farejar na trivialidade do cotidiano, assunto e argumento para um bom texto não é tarefa das mais simples, embora autores como Drummond, Rubem Braga, Afonso Romano de Santana, Clarice Lispector, Artur da Távola, Eduardo Galeano, Lia Luft, Ana Miranda, Antonio Torres, Ruben Alves - só para citar alguns que são meus favoritos, meus mestres - deêm a impressão que é, tamanha a simplicidade, a maestria e a genialidade como escrevem.
              Tenho mania de releituras e as crônicas são excelentes para isso. Leio e releio alguns autores/as, incansavelmente, pois quanto mais leio mais descubro possibilidades em seus escritos. Quanto mais leio mais aprendo o quanto as sutilezas da alma humana, o cotidiano, a ação e reação da espécie no enfrentamento de problemas reais e/ou ficcionais rendem belos, soberbos textos.
               Depois da poesia em todos os seus formatos, as crônicas são a minha paixão e tenho a sorte de, além de leitora e fã de excelentes cronistas, ser também amiga de alguns. Aprendo demais com cada estilo, com cada singularidade, com a beleza que cada um e cada uma deixa transparecer em sua escrita. Aprendo e me encanto com os temas que elegem, com a habilidade como lidam com a palavra escrita, com o diálogo maravilhoso que estabelecem com o cotidiano.
           Ouso dizer que me aventurar a escrever crônicas foi e tem sido um exercício muito especial, principalmente porque reconheço que mais que habilidade com as palavras é preciso senso de percepção, lucidez, sensibilidade para escolher em meio a tantos assuntos interessantes um que faça o leitor ultrapassar a primeira linha, concluir o primeiro parágrafo e querer ler o segundo.
         Tento, mesmo quando o tema é árido, difícil, conduzir de forma leve, simples, pois assim é meu coração e minha alma de menina nascida na roça. Escrevo as minhas crônicas como quem conversa e depois abraça um amigo querido. Ouso ainda citar o mestre poeta Manoel de Barros “Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber que o esplendor da manhã não se abre com faca...”
            "Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro. Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.Tanto faz que seja elitista ou literariamente limitador. E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley? A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.

                * fragmentos de A crônica-Ivan Lessa