NASCIMENTO PREMATURO

Nasci...

De seis meses e meio

No dia 24 de maio em 1961

Nascimento em que a vida estava por um fio

Enquanto os médicos lutavam desesperadamente para me fazer sobreviver

Minha mãe se encontrava em seu leito hospitalar passando muito mal

Eu estava numa encubadora, cheia de agulhas pelo pequeno corpo, onde eram colocados soros, medicações e tudo o que pudesse me salvar

Minha mãe foi piorando muito e se encaminhando para a morte, pois lhe foi dada uma injeção no hospital que causou uma infecção generalizada

Eu não podia sair da encubadora para que ela me pegasse nos braços

E ela não podia sair do seu leito, pois estava muito mal

Não tivemos contato físico nessa vida, apenas enquanto estive no seu ventre

Ela não pode me ver, pois veio a falecer no hospital com apenas 26 anos

Mas tive uma mãe, uma grande mãe

Essa que se tornou minha mãe de verdade, era tia da minha mãe biológica, seria minha tia avó

Sofreu muito com a perda da sobrinha pois era filha do seu irmão

Essa minha mãe sempre sofreu com as perdas, pois sempre foi muito apegada aos seus e uma pessoa muito sensível que guardava luto

E com toda sua sensibilidade nesse momento difícil, falou com meu pai biológico

Pois sabia que estava atrapalhado e sem saber o que fazer com cinco filhos

Desses cinco era eu, recém nascida, outro de dois anos, de tres, cinco e sete.

Minha mãe perguntou se ele gostaria que ela o ajudasse cuidando de um dos seus filhos

Ele respondeu, que com os mais velhos ele não tinha problemas, mas que não sabia como cuidar da menor, a recém nascida

E minha mãe não hesitou em ajudá-lo, pois sempre foi apaixonada por bebês

Teve que se dividir, pois um mês antes teve seu primeiro neto, filho da minha irmã mais velha

Mas foi junto com minha irmã mais velha que minha mãe foi no hospital me ver

Colocou suas mãos dentro daquelas luvas que davam para dentro da encubadora e me acariciou

Me disseram que eu não tinha sobrancelhas, cílios e os olhos eram colados

E nesse carinho que minha mãe me fez disse, tu vais sobreviver e crescer forte e serás uma linda mulher

Minha mãe ia me ver no hospital todos os dias e me dar o seu carinho

Fiquei naquela encubadora até o dia 11 de julho, quando minha mãe foi me buscar

E todos aguardavam minha chegada

As vezes penso se não roubei o espaço do meu sobrinho, filho da minha irmã mais velha, seu primeiro filho e primeiro neto da minha mãe e primeiro sobrinho dos meus irmãos, era pra ser curtido com exclusividade.

Sobrinho esse que se criou comigo como irmão, pois não nos desgrudávamos, sempre estávamos juntos, brincávamos e também brigávamos de nos pegar, hoje rimos de tudo isso, somos grandes amigos. Sou tia avó se suas filhas, vejam o destino

Mas cheguei em casa com minha mãe, tão pequena que cabia numa caixa de sapato

Era muito frio e meu pai já havia comprado várias estufas, para aquecer o ambiente onde eu iria ficar, que era junto com eles, pai e mãe

Por ser muito pequena tinha poucas calorias e não me aquecia

Então minha mãe dormia de barriga pra cima e me colocava para dormir sobre o seu peito para me aquecer

Como me alimentei de soro todo o tempo em que estive no hospital, minha mãe teve que me alimentar aos poucos

Então me dava leite de hora em hora com conta gotas, pois meu estômago era muito sensível

Meu Deus, que mulher, que dedicação, quantas noites sem dormir... sem tempo nenhum pra ela, que mãe que eu tive

Meu banho era com a porta fechada e as janelas também, com todas as estufas ligadas

E de paninho com água morna, eu era lavada por partes e logo secada com a toalha para evitar que eu pegasse frio e Deus o livre um resfriado

E depois muito bem agasalhada com parte do enxoval do meu sobrinho, que minha irmã não pensou duas vezes em dividir

Sei que fui recebida de braços abertos por todos meus irmãos

Poderiam ter ficado enciumados, mas não houve nada disso e sim carinho da parte deles

Sei também que a esposa do meu irmão que adorava criança e ainda não era mãe, me fez uns mini vestidos que pareciam de bonecas

E o tempo foi passando e do conta gotas, minha mãe passou a me dar leite em uma chuquinha, dessas mini mamadeirinhas

Minha mãe ouviu muita gente falar que ela tinha pegado aquela criança para morrer nos braços dela

Mas ela ignorou, seu instinto foi maior, sua dedicação e carinho me fizeram vingar

Logo já estava mais crescida e tomando mamadeiras maiores

E fui crescendo e passei para as sopinhas e as papinhas

Com dois anos já comia de tudo, mas o meu tudo era muito pouco, pois não gostava de comer

Passei minha infância toda tomando fortificantes e remédios par abrir o apetite

Minha mãe me levava no médico periodicamente para ver se estava tudo bem, nunca se descuidou disso

E meu pai se encarregava das medicações tanto dos fortificantes como dos remédios para qualquer espirro

Mas meus dois anos me lembro como se fosse hoje, pois foi muito marcante pra mim

Foi quando minha mãe se sentou na cadeira de balanço, me colocou no colo, deitou minha cabeça em seu peito e me disse:

Minha filha, a mãe precisa te contar uma coisa

Mas quero que saibas que te amo muito

Tu não nascestes da minha barriga

Nascestes da barriga de outra mãezinha que está no céu

Mas tu és minha filha, porque mãe é quem cria, é quem dá amor e carinho

Ouvi ela me contar isso com a voz que vinha de dentro do seu peito, onde meu ouvido estava deitado

Nunca mais me esqueci daquele dia, me lembro da cena como se fosse hoje, lembro que era calor e eu estava só de fraldas e essa mensagem nunca foi esquecida

Depois ela voltou a me contar essa verdade outras vezes, não imaginava que eu tinha registrado com apenas dois anos, mas eu ouvia novamente fingindo não saber

Fez isso porque não queria me esconder a verdade e que eu viesse a saber pela maldade de terceiros me fazendo sofrer

Meu pai biológico me visitava de vez em quando

Mas eu me escondia dele, pois tinha medo que me levasse embora e minhas irmãs me ajudavam

Mas minha mãe me chamava e me pedia para falar com ele, ela sabia o que estava fazendo

Quando eu estava com seis anos, antes de começar o ano letivo, ele foi me visitar e falou pra minha mãe:

Agora a senhora não precisa mais cuidar dela, na idade que ela está eu já posso dar conta

Minha mãe levou um choque, mesmo sabendo que esse dia chegaria

Recuperada do choque disse que precisava conversar com ele com mais calma

Ele disse, está bem, podemos conversar

E demonstrando todo o seu sentimento na face, falou:

É que nós criamos ela, nos apegamos a essa criança e a amamos como se fosse nossa, eu não saberia mais viver sem ela, porque é como se fosse minha filha

Eu gostaria de te fazer um pedido, de alguém que se dedicou e agora ama demais para perdê-la

Queria te pedir a permissão para que a adotássemos

Ele olhou pra minha mãe e viu o amor em seus olhos e sabia o quanto eu era apegada a ela

Ele respondeu:

Eu gostaria de falar com a minha mãe, depois volto para lhe dar uma resposta

Todos ficaram na expectativa, só meu pai que não se pronunciava nunca, pois sempre teve medo dessa perda, por isso procurava não se envolver

Mas logo meu pai biológico veio com a resposta, dando a permissão para a adoção porque era para a minha mãe e porque viu como eu estava sendo criada, com muito amor e o carinho de todos, viu também como eu me sentia feliz com essa família

Não quis tirar minha felicidade me forçando a ir com ele

Foi quando minha mãe falou que para me adotar seria preciso trocar o meu nome, pois eu iria para o mesmo colégio das minhas irmãs e não podia sofrer com o sobrenome diferente delas

Ele concordou e disse que não iria mais me visitar, pois sentia que eu tinha medo dele e se foi

Depois que ele saiu foi uma festa geral e aí meu pai se pronunciou, pois não havia mais o que temer

A papelada da adoção logo foi agilizada, mas fui registrada como filha legítima desses pais que me criaram e com o sobrenome deles, não fui registrada como adotada

Tive muito medo daquele pai, mas hoje na idade em que estou e que sou mãe, vejo que ele foi muito generoso, porque ninguém dá um filho assim, eu não daria

Mas agaradeço a Deus que as coisas tenham acontecido como aconteceram

Que minha vida tenha tomado esse rumo

Que esse destino que me foi dado, não poderia ter sido melhor

Pois tive pai e mãe maravilhosos, irmão e irmãs mravilhosos, sobrinhos e sobrinhas maravilhosos e belos sobrinhos netos.

Tive uma grande família e tenho ainda, só meus amados pais que já se foram, mas estão dentro de mim e graças a essa família que me abraçou e me amou, é que hoje estou aqui e sobrevivi

Pois o amor é capaz de tudo, eu sou prova viva disso...

Maysa Barbedo
Enviado por Maysa Barbedo em 31/07/2006
Reeditado em 05/11/2006
Código do texto: T206093
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