Numa manhã de sábado
Era um quadro entre surrealista e kitsch, com seu vestido de noite mais ou menos combinando com o letreiro verde e mal escrito no muro rosa berrante: “Whiskeria”. Rosto cansado e um bocejo capaz de engolir a manhã que começava. Sentada no banco do ponto de ônibus, tudo destoava do verde que lhe fazia fundo.
Foi apenas mais uma noite de sexta-feira, como tantas. Homens com seus hálitos de cerveja e de whisky barato, seus comentários, gestos e carinhos ousados e brutos, nunca ousados em casa. Libertos homens das noites de sextas! Ouviu confidências mil de bêbados arrependidos e de homens que só têm coragem de chorar na zona.
Apesar do reprise do filme, sensibilizou-se. Sentiu pena deles e de si mesma. Sentiu raiva, também. Era outro o presente sonhado e prometido. Desilusões, promessas e circunstâncias a levaram até lá e agora a volta estava cada vez mais difícil e distante.
Nem sempre foi ruim, era preciso admitir. Algumas vezes até se apaixonou, mas foi só para a desilusão ser maior. “Bom enquanto durou”, dizia, tentando repetir poema de Vinícius que lera na adolescência. Também foi alvo de paixões. Uma, em particular, acendeu nela aquela inexplicável e inútil centelha de esperança. O ciúme acabou com tudo. Ciúme que ele tinha.
Mudar de vida? Sim, pensava nisso mais do que gostaria de lembrar, mas, fazer o quê? Só das artes do amor entendia, mesmo que rápido, indolor e incolor, mecanicamente repetido e indiscriminado. Acostumara-se a não sentir cheiros e a fingir emoções. Era parte do negócio. Às vezes se flagrava com saudade de beijo. Beijo que se negava a dar. Ao certo, ao certo, não sabia o porquê, mas não aceitava. Medo de se apaixonar de novo, quem sabe.
Mas agora havia o sol do sábado de manhã e o ônibus. Hora de ceder ao sono.
Procurando não fazer barulho, abriu a porta do minúsculo apartamento. “Mamãe”. “Oi, filho”. Bocejo, sono, descanso, agora tudo podia esperar.