REEDITANDO A NOSSA HISTÓRIA

O ser humano passa por alguns períodos diferenciados em sua trajetória na vida. Uma dessas fases é o período que vai do seu nascimento, até o momento em que sai da casa dos seus pais para constituir um novo núcleo familiar. Durante esse período o individuo vai construindo passo a passo sua história, vai montando o quebra cabeça da sua estrutura psíquica, da sua unidade enquanto ser humano.

Outra fase começa quando nascem seus filhos, o homem perde o rumo de sua história e se envereda nos caminhos que por principio pertencem aos filhos, acompanha-os tão de perto que passa a acreditar estar vivendo a sua história, quando na realidade está ajudando os seus filhos na base da trajetória que lhes darão sustentação, para o inicio dos seus próprios escritos.

O sol já pendia rumo ao poente, na varanda do seu apartamento, sentado em uma cadeira de madeira, com o calcanhar do pé direito sob uma mesinha de centro o Sr. Benjamim conversava sem parar com o seu amigo Gustavo, visinho de porta, e dono da casa de material de construção, Nossa Casa, localizada no mesmo bairro onde eles moravam. Benjamim começou por contar a trajetória da sua vida, o que fizera antes de ser Gestor Público e também de como saiu de sua rotina de vida para entrar no caminho dos filhos, e como reverteu o seu posicionamento para reeditar as suas paginas da vida. Ele olhou para o seu amigo e disse:

-Meu caro amigo Gustavo, meu filho ao se preparar para sair de casa eu percebi que ele estava indo para ficar. Sua noiva também residia na capital para a qual ele iria, e por certo casariam e continuariam residindo por lá.

Comecei a pensar que a noite anterior teria sido a ultima que ele havia passado em nossa casa, como aquele filho que janta, dorme, acorda, toma banho, faz o desjejum, troca de roupa e vai para a faculdade; retornando a noitinha, quando tudo ia se repetindo novamente, dias após dias; anos após anos.

-Estou entendendo Benjamim, mas continue, por favor.

-Pois bem, com os filhos eu refiz desde a creche até a faculdade: primeiro graus, segundo graus, técnico em Biotecnologia, Medicina e Musica (Violão Clássico). Durante todo esse tempo, deixei de construir a minha história e entrei de cara na construção de uma base solida para as suas escritas.

-E valeu apena Benjamim?

–Se valeu apena? E como valeu, com toda certeza. E eu faria tudo de novo, embora com mais cuidado, pois não me deixaria envolver a ponto de esquecer que eu também precisava dar continuidade ao meu enredo.

Quando o meu filho mais velho saiu de casa, para fazer residência médica, num grande Hospital da capital, “o meu mundo caiu”; foi ai que percebi que não estava preparado para essa etapa da vida, se bem pensando, creio que os pais nunca estão preparados para esses desencontros em nossa trajetória terrena. Chorei durante uma semana ou mais; não podia ver aberta a porta do quarto em que ele dormia, sua cama vazia, tudo era motivo para desandar a chorar.

O Sr. Gustavo lhe fitava admirado com a sua narrativa, e ele continuou.

-Nas compras do Supermercado, continuei comprando as coisas que ele mais gostava, aliás, continuo comprando até hoje, pois nunca se sabe quando ele e a esposa aparecem.

Mas nesse período Gustavo, pude sentir que estava entrando lento e gradualmente num processo de depressão, um fantasma começava a rondar os recônditos da minha psique. Busquei ajuda nos livros de psicanálise, psicologia; procurando conhecer o funcionamento da mente humana e assim pude lutar com afinco, para reversão desse processo. Procurei desenvolver novas idéias e novos projetos tanto no meio profissional como pessoal, cuja maior finalidade era manter o cérebro ocupado para não dar lugar a essa infundada tristeza.

-Eu fico pensando no dia que a minha filha Alice precisar sair de casa, até me dá arrepios.

-É preciso preparar-se Gustavo, eu não estava preparado para essa ocasião. Pois bem, eu sentia muita vontade de visitá-lo, só para saber como ele estava vivendo, se estava precisando de alguma coisa, porque eu sempre procurei fazer tudo o que podia para ele, mas agora não era possível pela distância; mas do fundo da minha alma eu só queria que eles se sentissem felizes. Telefonava e telefonava, ele sempre repetia que tudo estava maravilhoso e para que eu não me preocupasse.

-E eu acredito que era assim que ele estava. Falou Gustavo.

-E ele estava mesmo Gustavo. Mas certo dia eu e minha esposa fomos à capital para visitá-lo; fomos de ônibus, e ao chegarmos ao terminal rodoviário da cidade, ele e a sua noiva estavam a nos esperar. Abraçaram-nos com muito carinho, como sempre o fizeram, ele por toda a nossa convivência, ela desde o momento que nos conheceu. Ele tomou as sacolas de nossas mãos e ao lado da noiva seguiu a nossa frente.

Eu me adiantei e lhe falei: filho como tenho sentido a sua falta. Ele de imediato, sem olhar para o lado só disse a seguinte frase: Ah! Pai. Essa resposta foi o suficiente para eu fazer uma retrospectiva, revirar o passado e pressentir que há muito havia deixado a minha história para trás e que sem perceber estava adentrando e interferindo nas páginas da vida de meus filhos.

-Como assim? Perguntou Gustavo.

-Pude perceber nesse momento que a minha história havia se fragmentado em pequenos pedaços e que estava na hora de costurar esses pequenos retalhos, juntá-los e colar um por um ao outro, procurar reeditar assim, o texto que há 25 anos havia deixado para trás; mas que agora era preciso juntá-los; reconstruir as novas passagens no caminho da minha vida e deixar que os meus filhos escrevessem sem a minha interferência os textos nas paginas das suas vidas. Com toda certeza, em um determinado tempo, em algum lugar precisarão pelo menos diminuir o ritmo de suas escritas para alicerçar a dos seus futuros filhos e só depois, então, retomarem novamente as suas com a mesma ênfase. Coisa meu amigo, que eu não soube fazer o quanto antes. Embora nunca seja tarde para um novo recomeço.

E assim falou o Gustavo:

-Todos nós temos o direito de reeditar a nossa história, aquela que por algum motivo deixamo-la para trás, adentrando sem perceber num mundo diferente e sob o comando de outro. Mas o tempo não para e os fatos ocorridos vão ficando para trás; e juntando os pedaços do nosso passado, tentamos reeditar um novo começo, um novo caminho.

O que o Sr. Benjamim de pronto reafirmou.

-Sem duvidas, precisamos acreditar que avançamos um novo passo a cada dia, para essa reconstrução e cada vez mais vai ficando perto o dia em que essa junção se dará.

Eu fui juntando e colando os fragmentos espalhados ao longo do meu caminho, e aos poucos fui reconstituindo o plano há muito deixado para trás.

Aprendi que não posso decidir pelo outro, tomar decisões que não são minhas e que cada um tem o seu livre arbítrio e que, quando falo “eu”, estou me responsabilizando pelo que eu faço; pelo que eu digo; em todas as suas possíveis dimensões, ao passo que, quando eu falo nós, necessário se faz que haja concordância do outro, do contrário estarei invadindo as paginas de sua vida.

Para reeditar a nossa própria história é importante lembrar que estamos lidando com pessoas, e o ser humano é o mais complexo de todos os animais. Segundo Augusto Cury, poderemos viver com milhares de animais e nunca nos frustraremos; mas se vivermos com um único ser humano, por melhor que seja essa relação, haverá por certo decepções. Doemo-nos, mas nunca devemos esperar muito retorno dos outros. Esta é uma das mais excelentes ferramentas para proteger nossas emoções.

Permita-me amigo Gustavo eu encerrar esta nossa conversa com duas bonitas frases do Psiquiatra Augusto Cury que diz: Ser feliz não é ter uma vida perfeita. Ser feliz é reconhecer que vale apena viver, apesar de todos os desafios, perdas e frustrações.

Ser feliz é deixar de ser vitima dos problemas e se tornar autor da própria história.

E eu amigo, aprendi.

Rio, 01/02/2010

Feitosa dos Santos