STATUS PELA FONÉTICA

Certa minha ex-pupila – que é linda, porém moça periférica –, como qualquer vivente que leva o seu dito nome, chama-se Leda (pronúncia de todo mundo, pelo que escuto, por aí: [lêda]). Ou seja, pronúncia com a vogal fechada, como se com o circunflexo estivesse.

Agora, a mãe – do só de vocês – presidente da República (1992), que é a veneranda senhora mãe do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, e que não se trata de pessoinha qualquer (ou qualquer pessoa), para esta iluminada criatura a gente da imprensa só vem dizendo, alto e bom som: Leda (pronúncia aberta: [léda]). Assim mesmo, com o E aberto: [léda]. E precedido, muito lógico, do indefectível e majestático pronome de tratamento: Dona Leda [é].

Muito bem, e plá. Pois está dito e aferrolhado o timbre esnobe que diferencia o rico do não-rico: o charme que bota um abismo entre o figurão encarapitado e a figurinha do desimportante. Talvez porque haja, no caso, de permeio, o céu e a terra entre a Fonética do imexível e a Fonologia do mexível. E você, meu amigo ou minha amiga, agora vai me crucificar por eu ter posto em uso o adjetivo ‘mexível’, ãh, você vai? O ministro Magri cunhou, e corretamente, aquele ‘imexível’ e todos chiaram. Mas foi preciso, depois, sair o termo no Aurélio para que a classe-média se conscientizasse de que, tecnicamente, o operário estava com a razão.

Esta ou aquela corruptela gramatical não importa. Às elites pequeno-burguesas vale mais é o status. Você quer ascender de status, sob os vários ângulos da vida, então bote lá o K, W ou Y no seu nome: Karla, Wilma, Jayme. Com grafias assim e assá, qualquer sujeito chinfrim fica valorizado. E a Língua Portuguesa que se dane, já que anda mesmo ruim dos pés. Só não vai mesmo às favas por conta de abnegados escribas nacionais como... Ah, citá-los aqui não caberia no espaço.

Já ouvi muitos cidadãos falando e repetindo “cidadões”, “cidadões”. Até aí, voz corrente, tudo bem. Mas outro dia, na tevê, pela primeira vez no mundo, um secretário de Estado saiu-se claramente com esta inédita: “cidadães”. Não reprovo. É como disse o Guimarães Rosa: “Pão ou pães é uma questão de opiniães.” E, na Assembleia Legislativa, numa sessão tumultuada (e eu, lá), com a presença de professores e escrivães em greve, embora tivesse às suas ventas uma gigantesca faixa com os dizeres ESCRIVÃES PEDEM INTERIORIZAÇÃO, certo deputado lascou verbo e atacou de Camões, assim: “Quero reiterar o meu incondicional apoio à luta dos “escrivões” e dos professores.” E o que era pior: o brilhante tribuno dizia-se da Oposição. Mas isto é canjica para outros dois dedinhos de prosa.

Antes que me esqueça, e acho até que me estou repetindo... Se, em outra paisagem, por favor, me desculpem. Não aprecio os repetecos, quando eles são gozados e jocosos. Perdem o brilho da originalidade. Contudo, vai daí que vou me repetir, em cima deste ato. Certa vez, em Olinda, vi na costela de um quiosque, em letras enormes: “AKI, KARNE E KEIJO.”

Ora, minhas senhoras e senhores, neste País, você é diferente e importante pelas bobagens que se lhe colocam na nominata comum e, sobretudo, na nominata de pobres, inocentes e indefesas criancinhas que por aí se hão de pavonear pela vida afora, ao ostentarem no papel de cartório gracinhas macaqueadas e com cheiro e sabor de línguas estrangeiras. Da babaquice nem as grandes camadas se livram: mas, ao contrário, tornam-se incautas sequazes e imitadoras: Ilka, Waleska, Yago, etc., por aí, e o escambau, e o diabo a dez.

(Julho de 1992)

Fort., 09/02/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 09/02/2010
Código do texto: T2077742
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.