HOMEM QUE PROCURA CASA

O homem que procura casa para morar merece mais do que a minha preocupação. Merece o meu entendimento. Exerço neste momento da vida a função de sujeito à procura de uma moradia. Prestes a encarar o matrimônio, todo o resto está devidamente providenciado e encaixotado, mas falta o singelo detalhe da casa. Há menos de dois meses para consumar o casamento, passou pela minha aflita cabeça a perigosa hipótese de não encontrar casa. Como num conto de Edgar Alan Poe, minha amada e eu desfrutaríamos de casas imaginárias, castelos de sonhos, morada nas nuvens e afins. Mas como ainda não estamos treinados para esse tipo de situação, preferimos no apegar a planos mais materiais, físicos propriamente ditos.

A casa diz muita coisa de uma pessoa. Não basta apenas que tenha uma boa arquitetura, visão privilegiada, espaços para circular o ar, altura compatível, plano de crescimento ou qualquer invenção da engenharia moderna. A casa precisa antes de qualquer coisa ser possuidora de uma espécie de alma. Mesmo sendo uma casa alugada, é necessário esse pequeno arranjo metafísico. Como bom e talvez um dos poucos observadores dessa questão, me considero uma autoridade no assunto.

Para tocar o meu exigente espírito de homem caseiro, a casa precisa ter um quê de sereno. Mais importante do que a pintura de uma casa é o seu ambiente. Apesar de não comungar da fé espírita, tenho amigos que são especialistas em catalogar casas em categorias espirituais. Há as que passam boa energia e as de clima pesado. Assim como pessoas, as casas possuem personalidade.

Sou e serei eternamente um apreciador de casas. Como o preço me limitará a exigência de algo realmente valioso, me contentarei com uma moradia mais franciscana. Abomino qualquer casa em que haja necessidade de contratar pessoas para trabalhar. É necessário a presença de um certo silêncio pelos corredores, mesmo que não haja corredores. Não o silêncio que se impõe, tirano. Aprecio o silêncio dos intervalos, que produz encantamento e nos ensina a ser mais humildes. Há neste coração uma certa paixão pelo mistério de uma casa. Não o mistério com cheiro de morte. O verdadeiro e necessário mistério que invoco na minha casa é aquele que, pobre de ambição, não nos impulsiona a interromper nossas funções, mas deixa-nos com aquela sensação de infância percorrendo os nossos poros.

A minha casa não terá caráter público. Não conheço nada mais particular do que uma residência. É ainda mais íntima do que a nossa vida pessoal. Quero uma casa não muito alegre, mas que não exponha às visitas as nossas eventuais tristezas. Uma casa não muito freqüentada, mas que conserve no tapete o frescor agradável da última visita. Uma casa não muito exposta, mas que tenha o seu lado de moça recatada, para se esconder, sonhando-se distante castelo.

Nada como ela permanecer sozinha e vazia durante o expediente, quando minha amada e eu, estaremos labutando pelas oficinas da vida, despachando protocolos e gastando teclados de computadores. É necessário que a casa esteja exatamente vazia e desejosa de ser preenchida. Que se entusiasme com a nossa presença, que chegue a quase dizer para entrarmos e ali permanecermos, ensaiando alguma momentânea eternidade. É preciso um tapete na entrada e chaves bem dispostas, para ao abrirmos a porta, possamos sentir a confortável e ilusória sensação de sermos rei e rainha. As janelas, abriremos apenas por pouco tempo, para não espantarmos o pó dos necessários fantasmas.

Haverá música na nossa casa, mas não a música que invade outros territórios. A nossa canção será tocada apenas para embalar nossos momentos de ternura e de amor. Não ofertaremos aos vizinhos o nosso egoísta segredo. Mas é preciso haver um jardim, não um daqueles grandes. Teremos o nosso sublime e quase tímido jardim. Não terá a intenção de recrear nossos corpos, ele será o recôndito para as nossas almas nos terríveis momentos de aflição.

Com sinceridade, não vejo a necessidade de vizinhos. Seremos a princípio, colegas de rua. A vizinhança terá um casal bem comportado e prestativo, embora que meio resistente a muitos afagos. Não seremos excêntricos a ponto de despertar a satânica curiosidade dos vizinhos, mas permaneceremos na posição de segurança que nos permitirá observar a vida, livres de elos desnecessários. Os muros precisam ter uma altura respeitável, para que nos nossos momentos de feras selvagens possamos ser tolerados, já que não ambicionamos o despertar da compreensão.

Não percorrerei os classificados para arranjar a minha casa. Ela precisa ser preparada para que duas almas sedentas de amor possam se alojar e ali sentirem-se seguras como num útero. Sim, a minha casa ainda não existe e isso faz nascer em mim uma doce aflição. A aflição de desejar que a próxima morada seja aquele único cantinho, onde estaremos verdadeiramente protegidos de tudo. A casa, o lar, a nossa sucursal do paraíso, onde aprenderemos a caminhar como seres encantados.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 09/02/2010
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