VENDER A ALMA AO DIABO

Cansei de ouvir a expressão "vender a alma ao diabo". Hoje, confesso que não acredito nela. Às vezes, no pântano do desespero, as pessoas vêem no Príncipe das Trevas o fiador para suas quase diabólicas dívidas.

Mesmo acreditando que o diabo não é brasileiro, duvido que se lance a um negócio dessa natureza. Comprar a alma deve ferir o código de ética do inferno. Seria uma punhalada na dignidade (sim, ela existe) satânica.

Como a globalização está na moda, suponhamos que deve ter chegado ao inferno. Se chegou, para um brasileiro vender a alma ao diabo (caso ele comprasse), teria alguns contratempos. Primeiro, que a alma seria cotada em dólares, que dependeria do bom humor do mercado de câmbio. O negócio também poderia ser fechado, mediante relatório da Bolsa de Valores do Rio. O outro problema, seria os atravessadores. Esses cobrariam comissão de ambas as partes.

Na Argentina e na Venezuela duvido que o diabo consiga exercer o seu honesto comércio. Alguém pode pensar que seria exatamente o contrário: povo quebrado, diabo financia. Errado. Seria um erro imaginar que o diabo ainda manteria seus negócios por lá depois das sucessivas crises econômicas. Não há diabo que resista às balbúrdias dos ministros da Economia daqueles países. Concluo que o diabo não acredita mais nos povos venezuelanos e argentinos.

Que o diabo pode ter comprado uma ou duas almas, tudo bem. Mas só por curiosidade. Imagino que assim como o Bill Clinton experimentou maconha - mas não tragou, o diabo deve ter apenas comprado, mas não pagou. Não acho, sinceramente, que ele vai sair por aí distribuindo caminhões de dinheiro. Se isso acontecesse, dentro de poucos meses o BCI, Banco Central do Inferno estaria falido e o ministro da Fazenda, exonerado. E claro, o inferno chinesamente lotado e com inadiministráveis bolsões de pobreza. O diabo deve se preocupar religiosamente com a população infernária. Afinal, não quer que o inferno se transforme numa São Paulo.

A crise, fruto da Globalização deve ter pousado a sua mão sobre os ombros crespos do demo. Ninguém escapa. Dou o tiro de misericórdia em quem ainda alimenta esperanças de conseguir um financiamento: o diabo não conseguiria escapar da Receita Federal. Os impostos aniquilariam qualquer chance de negócios.

Definitivamente, o diabo não compra almas. Deve estar contente com o seu elenco ou querendo até vender algumas almas. Contenção de despesas. No último censo ele deve ter notado que nenhuma espécie está ameaçada de extinção no inferno. Tem de tudo. Comerciantes, políticos, advogados, padres, pastores e esquiadores. De pouco mesmo, só fiscais da Receita e vendedores de Plano de Saúde. O diabo tem muita dificuldade para lidar com essas duas classes.

Mesmo se o diabo quisesse comprar almas seria sufocado pelo mercado. A concorrência desleal de algumas instituições o relegaria a uma condição de comerciante inferior. Um ultrapassado e por isso, fora do mercado. A modernidade tem um quê de cruel para quem não se moderniza. As pessoas já têm uma opção a mais para vender a alma. Desde que descobriram que já existem as instituições onde se vende a alma a Deus, os corretores do diabo estão na fila do seguro desemprego. O diabo odeia admitir, mas não tem a menor chance. A crise está tão satânica que o próprio diabo deve estar com a alma à venda.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 09/02/2010
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