VIDA PÓS-CASAMENTO

O assunto do matrimônio tem consumido minhas preocupações nestes últimos dias de homem solteiro. Acho a decisão de casar o grande momento para o ser humano. Não é necessário apenas amor para transpor essa fase. O homem que casa é antes de tudo um corajoso.

Engana-se quem acha que sou um entusiasta da vida de solteiro. Carrego desde muito tempo a efígie de um ser casado, um cidadão doméstico e severo observador das obrigações.

Nunca fui de pedir conselhos ou aprovações dos meus atos. Anderson, o egoísta, é desde sempre senhor de sua vida. Mesmo dispensando a onipresente opinião alheia, me deparo com o coro dos partidários do não-casamento. Curiosamente, só fazem parte desse time homens e mulheres casados. Virou lugar-comum reclamar da vida de casado, assim como do governo e da própria situação econômica. Acho que esse é um direito do homem moderno e uma das poucas coisas incondicionais e atemporais. É uma espécie inferior de karma, um karma verbal e espontâneo.

Acho que sei onde reside o martírio da vida a dois pós-cartório. Remete a algo superior. E Deus criou o homem e a mulher. Um dia, eles se encontram, se encantam ficam juntos. São namorados e não conseguem condensar em si a felicidade. Inconformados em serem apenas namorados resolvem casar-se. Sai de cena a poesia, entra o contrato. Sai de cena a espontaneidade, entra a obrigação.

É esta a questão: os namorados namoram. Casados fazem o quê? Não há um verbo que os favorece. Até a gramática conspira contra. Há o dia dos namorados. Não me recordo de alguém comemorar o dia dos casados. É preciso que o governo baixe urgentemente uma medida instituindo o dia dos casados, o primeiro passo para a chegada de uma nova ordem.

Um dia um colega jornalista me disse que não há vida pós-casamento. Brincava, mas havia uma seriedade triste nas suas palavras. Mas há casos lindos e que me fazem sorrir no pós-sonho. Há algum tempo, vejo um casal de idosos todos os dias quando vou ao serviço. Talvez o mais jovem deles tenha 90 anos. Mas não se desgrudam, vivem abraçadinhos todo o tempo. Ele a abraça, como que protegendo de alguma coisa. Ela, parece se sentir a mais segura das criaturas. Ultimamente não tenho passado pela rua deles. Sim, um casal que nessa fase da vida vive como dois adolescentes namorados merece ter uma rua só para eles. Nunca troquei palavra com nenhum deles e nem pretendo. Nunca disse-lhes que os admiro e os amo e sou solidário com a vida e com o amor deles. Mas que eles saibam que um dia, fizeram um jovem descrente acreditar no amor com todas as suas forças.

Que eles, antes de ir viver juntos no paraíso, possam saber que inspiraram um homem a ter esperança no prolongamento do amor. Me mostraram que há vida pós-casamento, e há poesia e encantamento dentro dessa vida.

Obs. Crônica escrita em fase pré-casamento. Publicada em fase de vida pós-fim-de-casamento.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 11/02/2010
Código do texto: T2081310