JOÃO BODE

Um tipo estranho esse “João Bode”. Anão, atarracado, pernas e braços fortes, pardo de olhos claros, cabelo escovinha, um sorriso de “Monalisa” emoldurando seus lábios, ele puxava seu carrinho de mão pra baixo e pra cima, subindo e descendo as ruas Botucatu, Horta Barbosa, Caconde, Jacuí e adjacências, no Bairro da Renascença, Belô, onde eu e meus nove irmãos fomos criados.

Apanhava materiais usados nas casas, ferragens, etc., na certa para vender e apurar uns trocados, fazia limpeza de quintais, puxava um entulho aqui e ali, o “João Bode” não parava nunca. Sua figura metia medo na criançada e as mães, quando um moleque não obedecia, faziam chantagem emocional:-

“- Olha que eu chamo o “João Bode” pra você, viu?! ...” – E o pânico logo se instalava no coraçãozinho e na mente do menino levado.

Quando avistávamos o “João Bode” na rua, puxando o seu carrinho, trocávamos de lado no passeio, passando ao largo e depressa, com um medo danado daquela figura. Ele olhava com aquele sorriso maroto, parava o carrinho, mexia com a gente. Era um caso sério.

Mas o grande momento do “João Bode” era sempre aos domingos. Sim, aos domingos ele era atração num programa de calouros no auditório da Radio Guarani, em que ele exercia o papel do carrasco. Ficava no palco, próximo ao gongo, uma peça circular de metal pendurada numa haste. “João Bode”, sempre de olho no locutor e animador do programa, segurava um bastão com uma esfera de borracha dura na ponta e seguia a apresentação do calouro.

Quando o candidato falhava na interpretação da música, num erro qualquer, ao sinal discreto do animador, Paulo Nunes, “João Bode” descia a borduna no gongo e era aquela badalada ouvida desde a Radio Guarani, na Rua São Paulo com Afonso Pena, até a Praça Sete, ou mais longe ainda, pros lados do Parque Municipal, decretando o fracasso do candidato e sua desclassificação do programa, fazendo, não raro, o sujeito chorar de ódio, raiva, tristeza, ou sei lá o quê! ...

Aí o “João Bode”, com aquele sorriso sinistro e os olhinhos brilhando de contentamento, puxava o candidato pelo braço e desaparecia com ele por detrás das cortinas, enquanto o auditório aplaudia, urrava e babava de satisfação.

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B.Hte., 10/02/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 11/02/2010
Reeditado em 11/02/2010
Código do texto: T2081416
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