Amnésia

Não há razões certas para acreditar em coisas belas, vejo carros, vejo motos, vejo pessoas; o que vejo não é importante. Tenho um sentimento incerto sobre todas as coisas e diante desta queda verossímil eu partilho um pouco de dor com todos.

Ele caminha de um lado para o outro. Pergunta:

- Quanto tempo está aqui?

Sinto o frescor do vento em meus cabelos, está quente. Não há muito sentido nas coisas, antes disto tudo eu estava parado em frente a uma vidraça, eu via as notícias na televisão da loja de eletrodomésticos. Haviam pessoas comprando todos os tipos de elementos novos, microondas, televisões, aparelhos de sons. Podia-os ver pela vitrine mas concentrava minha não pressa na televisão. Muitas das vezes pensamos em agir por puro impulso. Quando cai um copo tentamos o segurar mas quase sempre o mesmo espatifa. A verdade da vida é que quase sempre não pegaremos os copos.

Fiz de meu destino um destino imensurável.

Não suportei a dor.

Ao andar perdido nas ruas, sem lembrar de onde vim, ao andar sem rumo por todas as estradas e ao fraquejar em frente aos sinais vermelhos. Tento lembrar de onde vim. Tento perguntar para alguem na rua mas se eu não me conheço qual a chance de alguem me conhecer. Estou bem vestido, o famoso terno e gravata. Seguro uma maleta com combinação mas não sei os números.

Não fiz nenhum sacrificio brutal, ao menos se lembrasse onde eu estava antes de parar naquelas vitrines, antes de saber quem eu era.

Os jornais voam com a ventania, nas notícias passadas há casos engraçados e estranhos. Eis uma vida perdida, eis uma vida nascida, eis uma vida... Pergunto-me se um dia estarei naquelas páginas, se um dia serei quem eu sempre quis ser. Lembro que não sei quem eu era e nem o que serei.

- Compro e vendo ouro!

O turbilhão das cidades acende em mim a chama de encontrar alguem parecido comigo, vago perdido. Não assusto pois estou bem vestido, as pessoas olham para mim como se me conhecessem mas isso é o poder que o terno impõe. Se o relógio parasse neste exato minuto cá estaria eu sem saber para onde ir, não lembro de quem é o relógio, não lembro de quem são tais ideias, nem o que me chamou a atenção, o que me desviou o olhar por segundos para parar e para olhar as televisões. Desce um frio suor no meu rosto.

Os bancos da praça, ainda quentes pelo sol da tarde. Meus tornozelos aparecem meu sapato engraixado brilha no lusco-fusco tardino. Ponho as mãos na cabeça, um leve desespero toma conta de minha alma. Tenho uma maleta do qual não sei seu conteúdo, tenho um corpo que não sabe de onde veio. Olho como uma criança na multidão, procuro alguém, como uma criança procurando a mãe, procuro alguem para se aproximar de mim e perguntar o que faço ali, se pode ajudar, se...

Anoiteceu rapidamente.

Estive com muito medo do amanhecer repentino, não dormi amedrontado com a ideia de ser acordado por mim mesmo. Aquele sujeito frio tocando em meus pés me chamando para à morte. Acordei ainda na escuridão de minha memória, acordei sem a resposta mágica. Acordei mas com a sensação de estar dormindo.