“COGITO, ERGO SUM”

Vez por outra leio textos de colegas de Recanto das Letras que são respostas à pergunta que lhes é feita, ou, ainda, que esses meus colegas se fazem. A pergunta é: Por que escrevo? O escritor parece surpreso e nota-se nos textos a sensação de estranheza perante a questão.

De minha parte sentiria algo confuso e também me surpreenderia a respeito desse questionamento. Mas... como de tudo quero e gosto de participar, comecei a refletir sobre os motivos que me levam a produzir estas e outras “mal traçadas linhas”.

Começo mesmo pelas “mal traçadas linhas”. Recordo-me perfeitamente de, quando criança (falei disto em outro texto), ser solicitada por pessoas analfabetas, que me julgavam uma bam bam bam da escrita, para redigir cartas endereçadas a parentes distantes.

As cartas começavam pela anotação do nome da cidade e data completa. Havia até quem pedisse para anotar o horário. Quanto critério! Depois e abaixo, os solicitantes ordenavam que fosse colocada em destaque a palavra SAUDAÇÕES. Ficava mais ou menos assim:

Aracaju, 14 de janeiro de 1960

SAUDAÇÕES

A sua benção, mamãe.

A sua bênção, papai.

Aí os missivistas orais se danavam a chorar e eu tinha que esperar o fim do chororô para retomar o texto. Ditavam e até corrigiam, sugeriam. Diziam: Agora coloque dois pontos. Um em cima e outro em baixo que é para o de cima não cair. Depois seguiam em frente numa interminável história cheia de lenga lenga, pedidos de perdão e de dinheiro, e de tudo o mais que fosse de direito e de fato. Também mentiam.

Eu não escrevia aquelas coisas por gosto ou opção, mas por gentileza e para sustentar a minha fama de boa na escrita. E eles eram sábios, elogiavam para agradar o meu ego. E eu caía feito uma patinha. Escrevia e passava a limpo. Podem rir à vontade.

Antes dessas cartas eu já apreciava a escrita e produzia redações até sem ser solicitada pelos professores. Fazia trovas ou quadrinhas. Perdi todas. Ai, como acho bonitas as quadrinhas, as redondilhas menores e as maiores também.

Gostava quando, na escola, ouvia a mais declamada das quadras:

“Quando eu era pequenina

Do tamanho de um botão

Botava papai no bolso

E mamãe no coração”

Só na cabeça de poetas seria possível colocar um pai no bolso e uma mãe no coração. Ai do mundo se fosse a metáfora!

Vejam que linda esta:

“A felicidade existe no ceu,

Em alguma estrela,

Mas o veu de minhas lágrimas

Sempre impediu-me de vê-la”.

Nunca fui preconceituosa com as rimas em /ÃO/, até que, no Curso Superior, professores de Literatura meteram o malho nas bichinhas, chamando-as de rimas pobres, comuns, miseráveis.

Depois, as formigas letras viviam me mordendo e chamando. Lia, relia e me apaixonava cada vez mais pela palavra, principalmente pela danada Poesia. Eita paixão duradoura! Penso ser poeta. Penso, logo sou! O que não sei é se a Poesia está de acordo com este meu julgamento.

Veio, a seguir, a atração pela harmonia, pela complexidade da ordem inversa e pelas rimas do Senhor Soneto. Sonhava com o Soneto todos os dias. Só que esse moço elegante e ardoroso jamais me deu a mínima confiança. Não sou de desistir sem tentar, sem teimar. Tentei de todas as formas conquistar o Soneto, sem obter sucesso. Peço aos leitores que se esqueçam dessa minha frustrada tentativa de compor sonetos.

Continuando, uma vez que o Senhor Soneto me recusou, não caiu na minha conversa, e eu também não sou chegada à qualquer forma de dominação, resolvi deixá-lo para os abençoados da Poesia. Fico, ao longe, apaixonada e não correspondida, e mal amada. Tá certo, Soneto, você nem sabe quem está perdendo.

Aquela agonia da Poesia me consumindo e eu procurando extravasar e não conseguia esse extravasamento na música, outra senhora bela e inalcançável.

Escrevia de qualquer jeito. Quem lia gostava e eu criava alento. Quem lia gostava e batizava: É PROSA POÉTICA, É POESIA CONCRETISTA, É POESIA VANGUARDISTA, É VERSO LIVRE. Pronto! Maravilha! A palavra mágica: LIVRE. Resolvido o problema. Toco a escrever versos livres, versos pássaros e donos de si. Meus versos vivem voando por aí.

De lá para cá fiz outras incursões e me envolvi em um rumoroso caso com o assim chamado Texto Científico. Uma verdadeira relação de amor e ódio. Este rapaz repudia a linguagem erudita, figurada. Com ele é na objetividade. Ou dá ou desce. Pau é pau e pedra é pedra. Texto Científico não entende que pode haver “uma pedra no meio do caminho” e nem que Iracema tinha “lábios de mel”. Devo prestar-lhe explicações tin tin por tin tin (detalhadas).

Minha cachaça e “meu gole de Deus” é a Poesia “livre, leve e solta”. Por estas e outras razões escrevo e considero motivos mais que lógicos. Escrever é sentir-se vivo e ardendo nas chamas da palavra.