É PRECISO TIRAR MAIS DIVERSÃO DA VIDA

Semana passada eu estava assistindo ‘O Silêncio dos Inocentes’. Era sexta feira, fim de tarde. O céu estava um ‘laranja meio rosa’, cor linda e incomum que eu não me dava o trabalho de atentar demais. O filme era meu foco. Clarice Starling (a personagem de Judie Foster) estava sendo dissecada verbalmente por Hannibal Lecter quando uma moto parou na frente da minha casa, descendo dela um cara com um daqueles capacetes amarelos de construção civil. Em mãos, ele tinha um alicate e dirigindo-se friamente sob o meu olhar em direção a minha caixa de luz e...

‘Clact’

Foi o que eu ouvi uns instantes depois que Anthony Hopkins disse, encarnado seu personagem: “Clarice, o seu problema é precisar tirar mais diversão da vida.”

Tudo ficou escuro.

Quem manda não lembrar da maldita conta de luz!

Normalmente eu diria algo do tipo ‘você não pode fazer isso, é sexta feira e eu odeio banho gelado’, mas a última frase do filme ecoou em mim como um sinal, e num slowmotion acabei não reagindo.

“É preciso tirar mais diversão da vida.”

Resolvi não levar tão a sério o meu pequeno desastre pessoal, tirei a cadeira da frente da TV (ainda bufando) e a coloquei na janela de casa, abrindo a cortina pra entrar luz. Descobri a brisa das seis da tarde invadindo meus poros, trazendo cheiro da grama recém cortada. Depois de quatro anos morando no mesmo lugar, esta era a primeira ocasião em que resolvi curtir a minha janela. E melhor ainda: com visão para um por do sol lindo. E de graça, sem conta de luz no final do mês!

Não demorou muito, meu visinho (que havia levado seu cachorro pra fazer cocô por ali) chegou de mansinho e comentou sua estranheza em me ver ao léu, despreocupado na minha janela olhando para o infinito enquanto anoitecia. Percebi que as pessoas ao meu redor me encaravam como alguém calado, absorto demais na correria do dia a dia e sem tempo para ser um humano de carne e osso.

“É preciso tirar mais diversão da vida” ecoou de novo, e durante inéditos 50 minutos conversamos sobre assuntos diversos. Em cada pessoa (até no meu visinho do cachorro cagão) existe alguma riqueza e nem sempre paramos pra descobrir.

À noite, fui numa casa lotérica, paguei a fatura e voltei pra casa, afinal eu odeio banho gelado. Que pena.

Martins Filho
Enviado por Martins Filho em 31/05/2005
Código do texto: T21019