"P O R T Õ E S"

21/02/2010

Das tres opçoes que a mim apresentam-se,já que moro numa esquina,escolho o portão dos fundos,que dá para a rua Espírito Santo.Descarto na maioria das vezes as outras duas.

A da frente que abre-se à uma rodovia de intenso movimento é opção quando estou interessado em observar o movimento,o agito...Da lateral,utilizo-me para receber alguns clientes,os amigos,certeiros,entregadores:de gaz,de água,cobradores e outras tantas amenidades do gênero.Tenho do outro lado,um vizinho,sempre ávido de um bom papo.Bom pra êle,já que suas predileções nem sempre me despertam muito interesse.

Então,"queimo" o meu tempo vago no portão que dá para a rua Espírito Santo,com suas poucas casas,suas acácias e a visão da igreja,do Centro Social e ,porque não dizer,do cemitério.Com suas ruelas,seus vitrais refletindo as sobras de sol no fim dos dias,seu silêncio,seus mistérios...

É por aqui onde me encontro nesta tarde que agoniza.Em que pese a certa distância que nos separa,ouço perfeitamente o ruído sêco e estridente do portão de ferro a fechar-se atrás de uma senhora trajando roupas escuras.

Uma batida forte,um som quase sinistro...A mulher volta-se e lança uma derradeira olhada ao campo santo.Depois,com os braços enlaçados às costas,arrasta-se vagarosamente pela calçada e se deixa abduzir pelas cumieiras,os muros e arvoredos da rua paralela.

Faz restar de si,apenas a mórbida interrogação:À quem pertenceria os créditos de suas lembranças?...De suas saudades?...

Ao pai?...Ao irmão ou irmã?...Ao esposo?...A um filho?...Talvez.

Não importa.Quem quer tenha sido o visitado fôra alguém à quem ela muito quiz,de quem ainda muito se lembra.Adivinho as gotas a inundar-lhe os olhos,a serenar a grama ou desabrochar a flor.

Percorro o céu esmaecido do fim do dia com o meu ponto de interrogação passeando-me às retinas.Encontro-me a um bando de pássaros em sua revoada de retorno,Na leveza do vôo,vão-se calados,emudecidos...Um minuto de respeito ao silêncio dolorido daquela senhora...Ao silêncio interrogativo da minha presença rôta junto ao portão.

Distanciam-se lentamente do meu campo de visão.Um alar coletivo em sôfregos acenos...Tarde acenando à noite que principia escuros recados.A rua Esp[irito Santo distilando o cheiro das suas acacias...Os raios de sol,mansamente recolhidos,nao mais provocam o cintilar das catacumbas.

Ponho-me a refletir no bando que vai ganhando a linha do horizonte no ru[ido seco do portao de ferro,na mulher de preto e suas soledades...Penso em mim,no meu percursso pela vida,na probabilidade cada vez maior da linha de chegada...Tento vislumbrar as imagens deste portao e a rua com cheiros de acacias,ocupados,ou nao,por quem quer que seja,quando de mim restar apenas uma saudade no fim da tarde.

joelgomesteixeira@hotmail.com