O GRAFITEIRO

Novamente aqui, sentado esperando para desincumbir-me da tarefa de contar mais uma estória . Mais alguns minutos de angústia e curiosidade pelo que terei a dizer. Como será? Sobre o que será? Enfim esperemos, nem mesmo eu tenho idéia.

Guerreiros também cansam e amam. Cansam mais do que amam . Principalmente os que lutam pela própria liberdade.

Engraçado como leva tempo para que se perceba que aquela angústia que nos atormenta desde a infância não passa da certeza subconsciente de que somos escravos, presos a correntes e grilhões. Sem nos darmos conta desta realidade seguimos usufruindo o que nos é permitido como concessão ao longo de nosso crescimento. Aí explode a adolescência. Esse sim, tempo do exercício da liberdade. Logo somos rotulados de adolescentes , algo assim como debiloides, que inconseqüentemente se desenquadram. Aqui desta cela que chamam de quarto com o olho grudado nas grades que me protegem pela piedade daqueles que me amam, penso o quanto eu sou inofensivo à integridade das pessoas. Odeio violência. Jamais morderia a orelha de ninguém. Queria apenas minhas calçadas de madrugada, as brigas das prostitutas e travestis disputando ponto. Os primeiros raios de sol, aquele ventinho levemente frio , a luz se mostrando arrogante, trazendo consigo a primeira buzina, depois as sirenes , o burburinho dos robôs depois os meninos futuros escravos “Tio deixa eu cuidar...”. e assim seguiria a vida de liberdade e felicidade que muitos adoram.Meu colégio estaria sempre no mesmo lugar embora muitas vezes eu esquecesse de freqüenta-lo. Meu quarto sempre limpinho e organizado com todos os cd’s no devido lugar, meu pijama embaixo do travesseiro e um dinheirinho para o cinema ou mesmo um pico. Quem se importava? Todos, a vovó o vovô, meu pai , aliás meu pai tem bom gosto: que gata maravilhosa ele levou lá em casa quando mamãe viajou.(Pensou que eu havia ido acampar). Mamãe sempre preocupada comigo marca encontros saborosos na praça de alimentação do shopim da moda. Peço sempre um Mac qualquer e Coca Cola. Deixo para o fim de tarde a pedra e o conhaque. Sou um adolescente como meus amigos ,. Tá certo que eles não escrevem o que sentem. Não tem diário. Eu tenho esta mania de expor tudo o que penso ou sinto nas paredes lisas e virgens da minha e das outras casas . É um impulso irresistível. Escrevi na parede da sala de audiências quando iria ser ouvido pelo juiz no caso da separação de meus pais “Este juiz é bicha, o conheço da noite, é travesti , perguntem ao escrivão que é seu amante, adora ser chamado de Deise.” É verdade, mas parece que ali não era a casa da justiça e da verdade.E mais: Viva Che! Marijuana é liberdade! No muro do escritório onde minha mãe trabalhava escrevi: “Mamãe chorou quando o dentista terminou seu tratamento interminável e deu seu horário para minha irmã de 21 anos.A maninha agora anda de aparelho nos dentes e um carro conversível bem legal.” ¨”Papai é meu herói, ficou rico como diretor de licitações no governo.¨¨

Dá-me tudo. Apenas parece que está com alguns cabelos brancos. Faz tempo que não o vejo mas ele paga muito caro pela minha internação, acha que saio desta para assumir o escritório de turismo, acha que lavar dinheiro dos outros é bom negócio. Deve ser, ele sempre tem razão.

Minha cela, digo, meu quarto recebe a visita do guarda penitenciário, digo, enfermeiro, que me deseja bom dia. Tomo o café da manhã, ou seria desjejum? Junto me enviaram dois livros. Papai e mamãe estão preocupados com o meu intelecto.Um trata de auto-ajuda destes picaretas que não sabem viver sem o dinheiro dos idiotas que compram, seus livros de obviedades e exploração da fraqueza e ignorância humana injetando ânimo para a insignificância da vida das pessoas e dinheiro para suas próprias contas bancárias, e outro do Paulo Marmota, este de fardão na contra capa, é um assalto com estupro à mão armada. Rasguei folha por folha e com uma bisnaga de cola colei uma a uma em seqüência de modo a se tornar um rolo que coloquei ao lado do sanitário para usar sempre que preciso. Os papéis higiênicos, aliás dois rolos que possuo, uso para escrever poemas. Este texto é um deles. Pena que são muito finos se rasgam e muitas palavras se perdem, se misturam, embaralham o sentido das frases as tornando sem sentido. No fundo gosto disto pois me deixa mais intelectualizado, segundo o bibliotecário da minha casa de descanso. Ele não entende nada e quanto mais não entende, mais ele gosta. Na audiência de avaliação está sempre a me elogiar, a dar pareceres favoráveis a minha recuperação mas, sempre vota contra a minha alta. È um fã obcecado dos meus textos. Teme me perder. Outro dia se encostou chorando à minha porta desesperado e chorando pediu conselho de como se livrar da esposa que o chifrava despudoradamente e no entanto o sugava sexualmente todos os dias a ponto de não se sentir com força para trabalhar no outro dia.. Recomendei que ele convidasse o amante para a mesma noite. E assim juntos deixasse que o outro usufruísse enquanto ele dormiria. Achou uma boa idéia. Mas o que fazer com os outros dois que ela havia confessado desfrutar?. Disse que convidasse a todos para a mesma e todas as noites. Resgatasse seus filhos e fosse morar na cela, digo, quarto ao lado do meu, pois com certeza sua mulher logo estaria saturada de tantos homens fogosos e imploraria para ele voltar para casa e dormir de verdade ao seu lado. Certamente ela rapidamente sentiria falta dos filhos chorando de febre, tosse, e birra de madrugada, de trocar fraldas e fazer sopinhas e mamadeiras. Ele concordou. Infelizmente, de tão contente foi contar o caso para o diretor do presídio, isto é, da casa de repouso. Agora, está na cela realmente, repousando como eu, só que na ala dos adolescentes, digo,dos perturbados.

Acho que era o que tinha para o momento . O papel higiênico está acabando. Dois novos rolos somente na semana que vem.

Guerreiros também cansam e amam Cansam mais do que amam. Especialmente aqueles que lutam pela sua própria liberdade.

Adolescência é uma linha invisível.

Todo o cuidado é pouco.

Os monstros da Tv estão velhos e cansados.

Nada surpreende as crianças.

Tudo é velho

Todo o cuidado é pouco

Os riscos luminosos no céu não são de artifício

Adolescência é uma tênue linha na razão de um menino ou menina.

Acabou.

PLIM. PLIM.

Humberto Bley Menezes
Enviado por Humberto Bley Menezes em 06/08/2006
Reeditado em 06/08/2006
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