Carnaval Brasil

É carnaval. Festa popular tradicional. Festa do “faz-de-conta”.

Motivado pela negativa de ministro da mais alta corte da justiça brasileira a pedido de habeas corpus, sento-me solitário em frente à tela do computador.

Faço de contas que sou cronista obstinado de um jornal de âmbito nacional.

Dedos correm à procura de letras no teclado, para expressar o “faz-de-conta Brasil”

A justiça aproveita a festa e cai na folia fantasiada com a venda nos olhos e os pratos da balança equilibrados. Julga os fatos registrados nos processos desconhecendo totalmente se o indiciado é celebridade, poderoso, ou se é um simples desconhecido.

No bloco da justiça ministros com a máscara da verdade, carregam faixas garantindo que a vagareza habitual na condução dos processos deixará de promover a impunidade. Outro, solitário e portando cartaz com a seguinte mensagem: “Poder Judiciário trabalha aliado com a Polícia Federal e não obstrui as investigações tornando-as ilegais por interesses ou comprometimentos”.

Mais do que isso, o samba do bloco tem como enredo: “a Justiça responde aos reclames da sociedade brasileira pelo fim da sensação de impunidade dominante no país”.

A passista da bateria do bloco, ocupante de cargo do topo da pirâmide salarial, exuberante e escultural, justiça se faça, porta faixa sobre seios nus com os seguintes dizeres: “toga partidária e comprometida nunca mais”

O bloco do Executivo desfila sem Comissão de Frente, para garantir a abolição de comissão nas licitações, não aquele grupo de pessoas formado para analisar as propostas dos participantes. Comissão entendida como aquela retribuição ou gratificação por: “erros grosseiros no orçamento de obras e serviços”; e/ou “prévia definição e indicação de vencedores aos membros da outra comissão”.

Uma das alas do bloco é a “Men Saloom”. Ala que garante que as estruturas de cargos e funções executivas serão desenvolvidas por homens incorruptíveis.

Inserida nessa mesma ala, imenso carro com vários destaques para satisfazer às arquibancadas. Destaques criados pelo “gosto de forra”. Professores, garis, bombeiros, enfermeiros, catadores e outros profissionais arrancam a venda simbólica da justiça, expõem o desconforto de seus olhos e com ela (venda símbolo, ou justiça real) açoitam: homens carregando verdinhas, manchadas de ignorância, doença, desnutrição, desemprego, baixa estima e mil outras tonalidades das mazelas nacionais, em malas, cuecas, bolsos, bolsas, meias, engordando contas bancárias...

O tema do samba enredo do bloco: “Afirmativas cínicas: não sabia; é perseguição política; são sobras ou doações de campanha... NUNCA MAIS”.

A seguir desfila o Bloco do Legislativo com duas únicas alas: a primeira da Câmara e a segunda do Senado.

O olhar atento de profissional que cobria o desfile percebe que as lideranças partidárias da Câmara não desfilam no bloco. Então, pergunta a um dos deputados que irá desfilar na comissão de frente o porquê da ausência das lideranças. Recebe resposta de pronto: hoje é a festa do “faz-de-conta”. Fomos marginalizados durante a maioria da legislatura por um sistema de impor goela abaixo acordos entre as lideranças partidárias. Hoje estamos fazendo de contas que quem desfila nos trabalhos legislativos somos nós e não as lideranças.

Na Comissão de Frente bonecos gigantes representam as minorias no Congresso e um anão a base do Governo.

Na ala da Câmara uma coreografia criativa dois cartazes com os números 137 e o outro 171. Em movimento rápido o 137 periodicamente virado de cabeça para baixo formava a palavra LEI.

Subitamente o envoltório em cilindro de tecido brilhante descia e surgia figura feminina fantasiada de sim estilizado, formando LEI SIM.

Da mesma forma o outro conjunto formava 171 NÃO.

Chamou a atenção a harmonia do casal porta bandeira e mestre sala. Ele do Senado e ela da Câmara. O casal iluminou a passarela com equilíbrio e sincretismo. A arquibancada retribuiu com aplausos.

Na ala do Senado carro cheio de parlamentares foliões. Todos fantasiados utilizando a máscara dos poucos senadores reconhecidos como éticos e portando enormes cartões vermelhos, utilizados pelos árbitros de futebol. Em frente, em destaque e de frente ao grupo de foliões três enormes porcos sem as cabeças.

O carro era dotado de tecnologia que permitia o público na arquibancada interagir. Da arquibancada o público gritava os nomes daqueles que deveriam emprestar seus rostos para personalizar os grandes porcos cobertos de lama. Assim era feito e lá estavam entre outros, aquele que acabaste de eleger.

A cada julgamento popular surgiam os eleitos como porcos e os outros do grupo, fantasiados como éticos mostravam, de forma extravagante, como alguns árbitros de futebol, os imensos cartões vermelhos. A arquibancada ia ao delírio da fantasia.

O tema do samba enredo do Congresso: “Vossa Excelência Imunidade Parlamentar; Vossa Excelência Voto Secreto; tratar de Vossa Excelência caraxués da velha e doente República... NUNCA MAIS.

Acabou-se o carnaval. Percebo que a crônica é de treinando a amador.

Na TV Senado e na TV Câmara voltaremos a assistir plenárias que chegam próximo ao abismo do indecoro. Voltaremos a assistir “choradeiras parlamentares” sobre lhes terem praticamente retirado o direito de legislar e representar o povo por meio de inúmeras MP-Medidas Provisórias e Acordos de Lideranças. Senadores, quase às “lágrimas de jacaré” pela publicação de pesquisa indicando que categorias da base (não do governo) da sociedade gozam de mais respeito e credibilidade que o Congresso.

As televisões voltarão, por um lado, a nos bombardear com escândalos: denunciados pelos próprios parlamentares; pelo Ministério Público; por inúmeras operações da Polícia Federal batizadas de forma criativa (Navalha; Boi Barrica; Toque de Midas; Satiagraha; Castelo de Areia...) e por outro com tiros de festim, pequenas notícias sobre a compensação feita pela justiça por meio de suspensão de processos judiciais e ações penais, bem como concessão de habeas corpus e liminares em proteção a diversos “honoráveis senhores” pegos não só com a boca, mas com o corpo todo na botija.

As cinzas decorrentes da queima das fantasias carnavalescas anunciam que, apesar de tudo isso, este ano será de eleições, o sistema por meio dos institutos de pesquisas e da mídia as transformarão em plebiscito de tal forma que, sem novidades para nós e riscos para eles, elegeremos os mesmos.

Sai fora píton de vileta! Nessas eleições o povo fará a diferença...

J Coelho
Enviado por J Coelho em 26/02/2010
Reeditado em 05/03/2021
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