A vida por um fio

A VIDA POR UM FIO

Quisera ser índio, de antes, não de agora porque o agora não é índio, mas ser índio, não sei se livre, mas em liberdade, parte do todo feito pelo Deus Supremo. Faria parte dos rios, subiria para respirar e mergulhar novamente; a água limpa me mostraria o peixe da minha fome; e a minha sede morreria no rio de água limpa. Montaria no rio vivo e ele me levaria serpenteando o caminho só dele feito por ele. Eu viveria só do rio vivo.

A terra me chamaria para morar com ela, ainda vivo. Dela retiraria a morada, que me abrigaria da chuva e do sol de Deus; nela a rede encontraria para deitar sem contas, sem o amanhã, deitaria apenas com o hoje. Levantaria com o sol e com os pássaros e com o ar limpo, e beberia da vida da terra. Nela não moraria a fome, nem o frio, nem o descaso. Eu viveria despido, também de preconceitos, de preocupações, de ilusões. Seria mais forte e mais sábio e mais sincero e mais inocente. Saberia o caminho do vento e quantas estrelas existem no céu; quando plantar e quando colher; quando perdoar.

Mas não o sou. Sou cidadão. Tenho direitos, e deveres. E uma Constituição. Não sei do rio, nem da terra que me chama. Sei da máquina. Sem ela não há vida, não há sardinha-em-lata, não há lápis com ponta, não há café moído; não há exportação, nem importação, nem dólar. Não sei viver sem a máquina, é ela que me acorda e me faz o café; leva-me para o trabalho, faz-me trabalhar; sem ela não vejo a terra de longe, o rio de longe, a vida de longe.

E por fim é ela que não me deixa morrer, segura-me por um fio, ou dois, já não me lembro... É, Acho que podem ser mais, mas agora já não faz tanta diferença... a doença... a doença... há doença...

Jarbas J. Silva