Os coitadinhos

“Aqui é outra realidade”, foi o balde de água fria nas pretensões de prestar um serviço, principalmente porque a “realidade” significava que o valor teria que ser bem mais baixo do que o praticado normalmente. Não resisti e propus que fôssemos a outro lugar fazer compras e registrássemos o custo e, depois, voltássemos e comprássemos as mesmas mercadorias, fossem quais fossem, comparando o valor gasto. O sorriso não foi convincente, mesmo porque, no segundo caso, gastaríamos bem mais. Perguntei sobre o valor de um café para o intervalo: mais do que o dobro do que costumo pagar. Sim, a realidade é outra: tudo ali é mais caro. Mas, para que o serviço fosse contratado, teria que ser bem mais barato.

Era um bairro pobre de Joinville e, por isso, quando o esgoto sanitário foi implantado, a tarifa ficou muito próxima de zero. Isso faz 20 anos; de lá para cá vários investimentos, inclusive em saúde e educação, melhoraram sensivelmente a qualidade de vida. Boas casas, calçadas, jardins com algum esmero, automóveis em bom estado, pessoas vestidas com asseio e capricho são alguns dos sinais de que o poder aquisitivo também é outro. Chegou a hora, portanto, dessa população contribuir mais decisivamente para o bem estar geral, até por uma questão de cidadania. Decidiu-se aumentar o valor da tarifa do esgoto para eles, aproximando-o mais do que é cobrado em outras áreas da cidade. Revolta geral. Resolveram fazer uma pesquisa sócio-econômica na área; a associação dos moradores instruiu a população a mentir para evitar o aumento!

Magro e pálido, encosta no carro assim que ele para. Olhar humilde, fala introvertida e difícil de decifrar e uma história triste que sabe ser mentira e também sabe que sabemos que é mentira, mas repete-a centenas de vezes por dia. O dinheiro arrecadado vai sabe-se lá para onde e para que, mas pede e arrecada.

Há uma triste similaridade nos três casos: fingir-se de coitadinho para conseguir alguma vantagem. Nenhuma nação cresceu em sabedoria e justiça agindo como coitadinha, nenhum relacionamento se mantém quando há um coitadinho na história, nenhuma empresa ou entidade, mesmo que seja de caridade, sobrevive sendo coitadinha. Os coitadinhos até conseguem resultados vez ou outra, mas são resultados... coitadinhos!