ABOBRINHA VERDE

Sou um bom garfo e também boa boca, com poucas restrições. Gosto de comer e vivo batendo de frente com certos ensinamentos modernos de que comer pode fazer mal. Não sou indiferente ou contra a evolução da ciência, até pelo contrário, sou um apaixonado pelo progresso tecnológico, mas certas coisas dão-me o que pensar. Tenho a sensação de que estou sendo enganado, propositalmente ou não.

Pessoas da minha faixa etária sabem muito bem: o que mais podia agradar um convidado era servir-lhe boa e farta comida. Comer era um prazer. Virou pesadelo? Virou mais um fator de estresse? Lembro-me de que nós passávamos o Natal ou Ano Novo na fazenda de um grande amigo de meu avô. Revezava, sabe como? Se fosse Natal aqui, seria Ano Novo lá. E tome comida! Não adiantava você falar que estava satisfeito, cheio de tanta comilança, as filhas do dono da casa ficavam de plantão somente para encher seu prato de novo, quisesse ou não.

Outra coisa: pessoa gordinha era saudável, magrelo era doente, tísico. Mudou tudo? Inverteu? Agora se você é barrigudinho e tem uns quilinhos a mais, nego já bota olho gordo e aposta que você está bichado, questão de dias tá tirando umas férias num CTI qualquer a fim de dar uma guaribada nas coronárias ou noutros caninhos sem-vergonhas.

Sou meio exigente quanto às carnes. Não que não goste, mas somente a de boi, porco (mas se estiver frita e guardada na gordura por uns dias) e frango pequeno de quilo e meio, por aí. Não como galinhas (as de penas) nem amarrado, creio ser questão de trauma da infância.

Mamãe teve seis filhos e eu sou o mais velho. Por um monte de vezes eu assisti a chegada de mais um concorrente e mamãe sempre comia pirão de galinha gorda de pescoço pelado ou não podia ser de pescoço pelado, não me lembro. Não suporto nem olhar para o tal de pirão! Eu sou mesmo tarado é num churrasco e mais, preparado pelo mestre aqui, modéstia de lado! Mando pau com tudo que tenho direito, dependendo do tamanho atual do bucho.

Vegetais eu gosto de todos. Se for verde, não quero nem saber do nome, encaminho sem AR pra dentro. Devo ter sido herbívoro na outra encarnação (veado? Que isso!). Na verdade não sou muito chegado em cenoura, mas se estiver fazendo parte da salada ou sopa, eu encaro. Mas querem saber no que sou tarado? Ah! Ah! Vocês vão achar graça, tenho certeza! Aquela mistura chinfrim de abobrinha verde, jiló, quiabo e de lambuja, bacalhau desfiado! Joga-se bastante azeite de oliva por cima, faz-se acompanhar de um bom pedaço de angu frio servindo de apoio para dois ovos fritos acavalados e se houver espaço, um pouquinho de arroz japonês feito na hora pela Isa, assim molhadinho, entendeu? Sai da frente moço que eu tô com pressa!

Se você é fã dessa iguaria mixa, furreca há de dizer estar faltando uma coisa imprescindível: pimenta malagueta! Acertou, caso você seja um felizardo que não tenha hemorroidas! Tenho-as por uns trinta ou mais anos. Aporrinham-me às vezes, mas depois que deixei as comidas apimentadas a gente convive bem, isto é, como vizinhos birrentos. Atritos são sempre possíveis e imprevisíveis.

A pior crise foi depois de uma viagem de umas doze horas de carro. Quando cheguei minha irmã estava esperando com uma senhora peixada. Tomei umas boas cachaças com meu cunhado e depois baixamos em cima dos peixes, com pimentas, naturalmente. Quase morri! Nunca mais vou comer pimentas e procurei resistir, pois a tal da hemorroida quando resolve encher o saco (não é bem lá, mas fica perto) é um verdadeiro castigo. Jurei não comer mais e cumpri por um longo tempo.

Um dia Isa leu alguma coisa num jornal sobre as qualidades medicinais da pimenta vermelha. Segundo o que estava ali escrito, ela seria o melhor remédio que eu deveria usar quando estivesse com a retaguarda doendo devido às ditas cujas inflamadas. Se tudo funcionasse da maneira como ali colocado, seria um santo remédio. Até mesmo deveria ser usada para se evitar uma crise, preventivamente.

Acredito na ciência e me conscientizei então de que foi cisma, desconfiança sem nenhum embasamento, uma simples coincidência e resolvi mandar ver na pimenta malagueta. Atolei o pé, quis tirar a diferença do tempo perdido. Pra quê! Quase morri outra vez! Nunca passei tão mal na minha vida! Que arrependimento! Um conselho: vai acreditando em tudo que você lê ou escuta, vai!

Gosto da abobrinha batida desde criança. Ela me faz lembrar do meu pai que algumas vezes a usava para me subornar, me corromper. Desde cedo fui morar com meus avós maternos e imagino hoje que ele ficava com ciúmes, saudade ou vontade de ficar mais tempo comigo, sei lá. E quando vinha pela manhã pegar o leite no curral me dizia ter lá em casa abobrinhas verdes para o almoço e me convidava para irmos juntos. Nunca me enganou.

Era bater e valer! Nunca houve nenhum tipo de negociação, pechinchada. Negócio fechado na hora, sem delongas. Eu topava qualquer acordo para comer abobrinhas batidas. Logo, logo, corrupto e corruptores enfileirados pegavam a trilha poeirenta que passava pelo curral das vacas, subia uma pequena ladeira, curvinha para esquerda, beirava a enorme taipa e logo à frente, cruzava a refrescante sombra da carrapeteira centenária.

Dali nós já avistávamos a casa da nossa morada com a sua chaminé fumegante, sinal indicativo e seguro de que mamãe, a nossa doce Milita, já estava dando aquele capricho na abobrinha e...

Fim! Meu pai morreu!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 05/03/2010
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