Garantias

Garantias

- Está tudo bem, cara, as coisas vão continuar aqui, do jeito que estão. Na Bulgária, ou na Hungria, não sei ao certo, eles estarão comendo goulash.

Ele ouvia com olhos arregalados. Chamavam-no de “cara”. O braço direito daquele que fazia o discurso principal, às vezes contribuía com uma outra inserção.

- É isso aí, cara, não tem com que se preocupar, veja...

- Sim, veja – retoma o líder – na Colômbia, as tais das Farcs continuarão zoando, aquela gente é incansável. Na América, bem, na América todo 4 de julho eles soltam fogos e em setembro lembram dos prédios demolidos. Isso não mudará. No Canadá aquele negócio de alces e polícia montada, na França come-se croissant com presunto...

- E queijo – atalhou o outro.

- E queijo – continuou o líder – na Inglaterra o chá segue servido às 5...

- Vivem numa ilha, sabe? – intrometeu-se o outro – como os japoneses, que também tomam chá, mas em horários diferentes.

- Sim – retoma o líder – você pode ir sossegado.

- Tenho receio de...- hesitou o cara – quando eu voltar, as coisas estarem mudadas.

- Mudadas como? – indagaram.

- Oh, vocês sabem, deslocamento de continentes, continentes submersos, continentes perdidos, como aconteceu com Mu e Atlântida – explicou o cara.

- Oh não, é muito tempo, você volta logo – arremata o assistente.

- Isso – retomou o líder – logo, logo, na Espanha as touradas, sestas e castanholas continuarão lá.

- À sua espera...- enfatiza o outro.

- Sim, à sua espera, e no México, sombreiros e pirâmides...- afirma o líder.

- Que nem no Egito – atalhou o outro – e próximo dali aqueles dois povos que brigam sem parar continuarão brigando...

- Eles não saberiam viver sem isso... – ruminou o líder.

- Então vocês acham que eu volto? – indagou o cara.

- Definitivamente – diz o líder - Está tudo bem, as coisas vão continuar como estão. Na Grécia os gregos vão lhe mostrar ruínas, na Itália vão lhe servir macarronada, naquela região entre a Ásia e a África, turbantes e mais turbantes...

- E camelos...- lembra o assistente.

- Sim, muitos camelos... – sublinha o líder.

- E...o Havaí? – indagou o cara.

- Lógico! – ambos exclamaram de um jeito, como se tivessem cometido uma gafe – o Havaí – prossegue o líder - com colares, sarongues, alohas...No Havaí estará tudo certo, e quando você voltar o Peru continuará repleto de peruanos...

- Posso ir sossegado? – quis saber o cara.

- Como um paquiderme – disse o outro – veja, vá mentalizando. As coisas vão ficar sob controle, do jeito que você conhece.

- Isso mesmo – atalhou o líder – a Suécia continuará com aquele bando de mulheres loucas...

- Louras – corrigiu o outro.

- Sim...louras, na Dinamarca também tem louras e na Noruega pescadores.

- Na Austrália? – perguntou o cara, que começava a gostar daquela conversa.

- Cangurus! – exclamaram – com bolsas e tudo.

- E na Argentina – continuou o líder – ainda estarão falando das Malvinas, os pólos continuarão brancos e inóspitos, os russos continuarão adorando vodka e utilizando aquele alfabeto bizarro, os alemães estarão tomando cerveja e comendo joelho de porco, os chineses fazendo guisado de vira lata...

- E...- balbuciou o cara – e o Brasil?

Os dois se olharam antes de responder.

- Veja, cara, somos, como dizer, agentes de viagem e não videntes, ok? Será que agora você pode cooperar? – pediu o líder.

O cara disse que sim.

- Ok, cara, então feche os olhos, para que possamos terminar o trabalho.

- Vocês sabem para onde eu vou?

- Ninguém sabe, cara, mas até hoje tem funcionado. Agora vá. Por favor.

- Sim, vá, faz favor – pediu o outro.

O cara fechou os olhos e eles fecharam o caixão.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 08/03/2010
Reeditado em 13/12/2012
Código do texto: T2127411
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