COM QUEM AMA AS PEDRAS

UM PASSEIO CULTURAL

Viva a ciência quande se torna ciência real ou realmente ciência,quer isto dizer, quando sai do casulo e atinge directamente o cidadão leigo na sua corda sensível , mas por vezes adormecida que é a curiosidade. Perante quem sabe, a tal corda vibra tocada pelos dedos experientes dos especialistas que aliam o saber à vocação pedagógica.

Arrastado pela minha filha ou antes por ela cativado, lá partimos até ao Palácio Real de Mafra, hoje Palácio Nacional, a escassos quarenta quilómetros de Lisboa.

Valeu a pena. A geologia era o tema e portanto iriamos olhar não como boi para palácio, mas como geólogos amadores para a pedra de que è feito, embora eu levasse já a ideia de que o palácio foi feito com pedras preciosas do Brasil, ao que me disseram já não sei quando nem onde.

A verdade é que a pedra que até não era preciosa veio toda da região que é de calcários, mármores e basaltos, com custos humanos sobre humanos, tornando-se ela própria preciosa após a mente de arquitetos a ter extraído, dado carrego funções e posições.

Bem visto esse passado no presente não foi só culpa da mente, porque a pedra tem de ser “Levantada do Chão” como as pessoas para que resulte algum valor precioso. E resultou; da força do povo, da dos arquitectos e dos artístas uma imenssa mole de dura rocha calcária no essencial. Mas tem outras mais.

Não vou aqui dissertar sobre geologia lá porque passei duas horas com mestres e vocês leitores não foram, o que foi uma sorte para alguns que estiveram talvez melhor na praia, e uma pena para outros que gostam de pedras, de como se formam, do que se pode fazer com elas e com a arte, mas ficaram a aturar a mulher ou trabalhar e a suar em bica, o que evitavam se viessem ao interior deste palácio, onde paredes mais largas que os meus braços abertos acolhem temperaturas sempre moderadas.

Lá está a função da pedra, material isolante por excelência.

O que é bom para o recheio do palácio e para os seus funcionários ,ocorrendo-me um em particular. Trata-se dessa figura do bibliotecário a que associamos por cliché além da gota reumática, grossas lentes da miopia e uma debruçada postura, já nem só sobre os alfarrábios à sua guarda.

Esta espécie imaginada merece o nosso respeito e o do clima.

Nada no entanto nos diz que tal personagem habita este salão dos livros, barroco, como o palácio.

Talvez que até o lugar seja nos dias de hoje ocupado por uma jovem doutorada em literaturas clássicas, de óculos de designe intelectual italiano, sem curvatura da coluna, mas com curvas bem traçadas na restante silhueta.

Quem sabe?

Neste visita recebeu-nos uma cicerone, mas levávamos as geólogas que dominam do convento saber bastante para dispensar a funcionária da legenda verbal e taxativa.

Notável é o salão da biblioteca, fabuloso. Largo e fundo, uma abóbada em pedra recobre-o, e em mármore de cores várias se estende o chão. Nas paredes longas a todo o comprimento estantes em talha ao estilo “rocaille”, deixam ver milhares de tesouros, do saber em livro, e o ouro ainda brilha nas lombadas. Mestres livreiros, tipógrafos, calígrafos, encadernadores e douradores exímios, recobriram com o seu saber o dos autores teólogos, escolásticos, clássicos, fiósofos etc. tudo a coberto do saber dos pedreiros e arquitectos erguendo esta Mafra Real.

Apesar desta visita ser à partida geológica, não vou maçar ninguém falando de rochas metamórficas, sedimentares, margas, calcários, fósseis, rudistas, etc. Mas devo dizer que muitas destas pedras ou rochas de que é feito o Convento se formaram antes de nascerem Dinossauros.

Na verdade acho que sem um bom e sólido chão os dinossauros se iam afundar, mas apesar do tapete que levou milhões e milhões de anos a tecer eles sumiram na mesma. Se foi crime rapto ou suicídio os paleontologistas, dizem à questão que o processo está em aberto e não foi arquivado, mas com as medidas de tempo que eles usam, ainda se somem também e quem vai depois querer saber?

As nossa simpáticas geólogas, ao chegarmos ao acolhedor ambiente da biblioteca em penumbra tépida, revelaram-nos á margem da geologia uma interessante curiosidade da ecologia, essa ciência moderna do equilíbrio antigo e natural.

O homem desatou a agredir a natureza, ela reagiu e aí foi preciso criar uma ciência que ensina a lidar com o mau feitio dessa Mãe da gente, para o que é apenas preciso respeito e educação. (ecológica)

Mas voltando à tal curiosidade, é o caso que na biblioteca pequenos morcegos habitm-na há dois séculos, mas ignorantes sábios resolveram barrar o acesso dos pequenos e cegos mamíferos voadores. Foi o princípio de um processo de acelerada degradação do conteúdo das palavras, desenhos e números que o bicho da prata e o caruncho roiam com o papel.

Estudado o caso, biólogos sensíveis à tal ciência nova apuraram que o tal intruso do morcego apenas defendia a nossa cultura, contra essa Inquisição do bicho da prata e do caruncho, que não se anteciparam na biblioteca de Alexandria ao califa Omar, porque este queimou tudo na base de que matando o bicho acaba a peçonha, sendo os bichos maus na visão do califa as próprias palavras heréticas ou inúteis dos manuscritos.

Hoje sabe-se (ecologia)que só se deve matar o bicho mesmo mau, embora se mate por vezes o bom por ignorância ou fanatismo; vem de longe.

A visita de leigos à lição de Ciência Viva está no fim, um minúsculo,feio e preto rato voador, da família dos “conservadores” desta cultura foi-nos exibido embalsamado numa caixinha transparente. Confesso o meu respeito pela função, mas a minha mulher nem isso; achou o bicho horroroso e ponto final. O que é a perspectiva !

Apenas um jovem biólogo e a namorada solidária, acharam muito interessante o especimen.

As nossas simpáticas geólogas deixaram-me uma nota que lhes devo e á “Ciência Viva”, é que já não vou mais olhar as pedras como mortas , inertes, brutos calhaus sem vida, sem História e sem histórias.

Elas deram-me nesta visita sinais para ler as pedras, e á noite subi a minha escada olhando o chão, não de cansado ou triste, mas curioso de ler fósseis sinais.

Podia, aí sim, ter ficado triste ao concluir ser de pobre calcário a escadaria da minha casa que julgava de mármore até hoje.

Arbogue
Enviado por Arbogue em 08/03/2010
Código do texto: T2127444
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