Um dia de pássaro

Àqueles que gostam de voar

*

Sempre ficava fascinado com as histórias que meu pai contava da época quando ele esteve entre os primeiros a freqüentar o Aeroclube da Paraíba.

Um de seus vôos mais aprazíveis se deu com um amigo piloto, que resolvera levá-lo num passeio por sobre o bairro do Bessa – então povoado somente por cajueiros, coqueiros e outras frutas típicas da região. Na ocasião, meu pai voava num desses aviões biplanos sem capota, da Primeira Guerra Mundial, que serviam como material didático a muitos daqueles que, inicialmente instruídos no Aeroclube da Paraíba, hoje aposentados, foram considerados alguns dos melhores pilotos da aviação civil brasileira.

Entre os muitos que passaram ou ainda estão no Aeroclube da Paraíba está o amigo José Moura, a quem aprendemos a tratar por “Zé”, que meu pai convidou a freqüentar o Aeroclube no final dos anos 1950 e, hoje, na qualidade de Instrutor, continua a transmitir os conhecimentos do excelente “homem-pássaro” que se tornou aos jovens pilotos de agora.

Foi com ele que, pela primeira vez, para manter tradição de família, tive a oportunidade de conhecer o lugar dos pássaros mais de perto. Ainda não levei o meu filho para dar um passeio pelo céu, como o prometi, mas, mesmo a provocar momentânea aflição de sua mãe, logo ele estará comigo entre os pássaros.

No meu primeiro dia de vôo então, há uns trinta anos atrás, meu coração pulsava com força quando ouvi o motor ficar cada vez mais acelerado a imaginar o que sucederia depois que Zé soltasse os freios a permitir que a pequena aeronave ganhasse força e velocidade suficientes a elevar-nos por sobre os edifícios na direção do mar.

Quando a máquina voadora finalmente deixou o solo abandonou-me inesperadamente toda tensão que sentira!

Sentia-me agora muito bem, flutuando contra o vento, enquanto Zé soltava o manche deixando o avião livre e virava-se para mim a gritar no meio do barulho do motor o quanto era de fato seguro e maravilhoso voar.

- Posso pilotar? – perguntei berrando, crente que seria capaz de dar umas curvas, e então ele sorriu e me permitiu segurar o manche do acento do instrutor, onde eu estava, tendo eu o movido para a esquerda numa tentativa inútil de inclinar o avião a fazer uma curva.

É claro que Zé não tirou a mão de seu manche, impedindo-me de provocar um acidente, e então desisti do exercício deixando-o voltar a dominar a aeronave.

O motor pipocava sua vontade de manter o pequeno avião no ar enquanto a brisa fria entrava pela janela aberta, por onde eu via toda a extensão da orla de João Pessoa.

Do cabo Branco à Cabedelo, lá embaixo o mar azul refletia o brilho do sol daquela quente manhã de verão, que, agora, se tornava cada vez mais fria para nós, tanto mais nos aproximávamos das nuvens.

Mas não fomos até elas nesse dia. Sobre a praia de Manaíra, a uns duzentos metros de altura, Zé me pediu para que eu relaxasse, embora não me tivesse dito o que faria ao acelerar ainda mais a aeronave e, puxando o manche para trás, fazê-la empinar feito um cavalo selvagem até perder as forças a despencar de barriga, numa queda livre de uns cinqüenta metros ou mais a despencar como um pêndulo por quase noventa graus.

A sensação fora como se um furacão tivesse passado por dentro de mim vindo de baixo e tentasse puxar minha alma para fora do corpo pelo topo da cabeça!

Quando o avião saiu da queda – na verdade uma pequena “perda”, exercício a que se submetem sucessivamente neófitos pilotos – Zé o estabilizou de volta a posição horizontal e, olhando para trás, riu de meu espanto, enquanto eu procurava retomar o fôlego que por segundos me faltara a lhe pedir para não repetir o feito. Ele então me prometera não fazer mais nenhuma acrobacia – no que é um craque – e prosseguimos a viagem em vôo suave.

Zé puxou o manche pra direita e o avião se inclinou de repente a fazer curva fechada, permitindo-me ver o interior do Hotel Tambaú, a Feirinha, o Centro Turístico, os carros e um monte de gente lá embaixo que não faziam idéia do que é voar.

Ainda voamos por mais alguns minutos por sobre o mar até o Porto de Cabedelo, quando então retornamos de volta ao Aeroclube, para a terra, onde os homens plantam árvores e fazem guerras.

Depois do vôo, constatei quanto o medo pode tolher o prazer de viver das pessoas. Constatando isso, aquela primeira aventura aérea também me rendera inspirações à criação do argumento de meu livro “Lições de Vôo”, anos depois. Porque, por covardia, são muitos os que experimentam a Vida pela metade, sem nunca terem se permitido viver um dia de pássaro.