IONE X ÉRICA

Essa é uma daquelas histórias que não acreditamos que um dia possa acontecer.

Ione era uma mulher igual à tantas outras,que não tiveram acesso à educação.

Trabalhava como doméstica e na ingenuidade,ou interesse,ou seja lá que motivo tenha sido,acabou engravidando.

Quando a criança tinha 2 anos conheceu um homem e casou.

Com esse homem aos trancos e barrancos,entre tapas e beijos teve mais 6 filhos.

Após o nascimento do sétimo filho,descobriu a neoplásia mamária.

A doença já estava em estágio adiantado.

Foi necessário uma mastectomia bilateral radical,sendo que também já se apresentavam metastáses ósseas.

Enquanto Ione estava internada,o pai,inescrupuloso vende Érica por $750,00,para um parente.

Quando Ione chega do hospital,ele deu a desculpade que a menina fora levada para que ela pudesse se recuperar e que logo estaria de volta.

E o tempo passou...e ela não voltava.

Num dia pela manhã,ela apoiada em muletas,bateu na minha porta pedindo ajuda,uma vez que todos os irmãos e irmãs não tinham coragem para enfrentar os parentes,que moravam no interior do Paraná.

E agora ? O que fazer ?

Eu tinha que antes localizar a menina e tentar uma negociação para a devolução.

Foram semanas tentando conseguir que devolvesse amistosamente,sem nenhum resultado.

Novamente eu precisava de dinheiro.A viagem para resgatar a menina seria longa e cara.

Lá fui eu para a luta.

Consegui uma ajuda financeira de um coronel da PM de SC e a promessa de que eu teria um sargente na cidade para me apoiar.

Falei com Serviço Social e Conselho tutelar daqui da cidade.

Deram-me documentos que me permitiriam trazer a menina de volta.

Mas algo em mim dizia que não daria certo,por isso resolvi levar a mãe,mesmo em condições de saúde precárias,junto comigo.

Foi uma viagem penosa,ela sentia muitas dores,tínhamos que parar muitas vezes para ela descansar.

Tivemos que mudar de rota,pelo bloqueio que os indios fazem durante a noite na localidade de Cachoeirinhas,o que nos atrasou mais um pouco.

Estávamos viajando já fazia 14 horas,quando finalmente chegamos na cidade onde a menina estava.O Sargento que me aguardaria para dar apoio,desligou o celular.Tinha que me virar.Vamos procurar a delegacia.

O hilário da situação,foi parar numa praça e perguntar para um homem onde era a delegacia,ele me disse exatamente onde era,mas quando cheguei lá,ele chegou junto;e foi abrindo a Delegacia,perguntei se ele era o delegado,ele me disse:Não,sou um dos presos,mas como tenho bom comportamento,eu cuido da delegacia e posso dar uma voltinha a noite.Mas já chamo o delegado para a senhora.

O Delegado chegou,contei a situação e mostrei os papéis,ele então chamou a Conselheira Tutelar.

ELA CHEGOU.

Mostrei os papéis para ela e contei toda a situação,sem mencionar que a mãe estava no carro.

Ela me disse em alto e bom tom :

-Impossível isso.A mãe dessa menina morreu,existe um atestado de óbito e casualmente hj,foi iniciado o processo de adoção pelo casal que estais acusando de tê-la comprado.

Dai,usei meu tom mais i`rônico e falei:

-Amiga minha,um milagre então acaba de acontecer.A mãe ressucitou e está sentada lá dentro do meu carro.Mas tem dificuldade para se locomover,preciso de alguém para me ajudar a tirá-la de lá.

Aquele preso foi de grande valia nessa hora.

Quando a Conselheira a viu,olhou os documentos que comprovavam ser ela a mãe da menina e estar viva,entrou em pânico.

Tal era o descontrole dela que ao sair apoiada por policiais para ir buscar a menina,ao dar ré no carro,bateu no carro da polícia;mas nem parou para ver o estrago.

Minutos depois voltava com Érica que quando viu a mãe,chorava compulsivamente,aliás chorávamos todos,e ela grudada nas pernas da mãe pedia;me leva mãe,me leva daqui.

Mais 2 horas se passaram para que a mãe descansasse um pouco e assinasse a documentação de praxe e pegamos a estrada de volta.

Já fazia 20 horas que eu dirigia sem parar.

O cansaço começava a me vencer.

Já em SC,na cidade de Caçador;eu não aguentava mais.

Encontramos um barracão na beira da estrada,pertencia a um indio.

Contei a história e ele prontamente escondeu o carro e ofereceu a cama dele para a mãe deitar um pouco.

Meu celular deu antena.

Era o Coronel;estava desesperado,sem notícias.

Tranquilizei-o,dizendo que estávamos bem,mas que eu não conseguiria dirigir mais 4 horas.Ele me orientou a ficar onde estava que policiais iriam ao meu encontro numa viatura e um deles dirigiria para mim.

Assim,trouxe de volta para a mãe aquela filha que lhe fôra abruptamente arrancada dos braços.

A chegada dela foi uma festa,pois toda a família aguardava,menos o pai,que sumiu com medo de ser preso.

Muitos incidentes entre eu e ele aconteceram a partir dai,mas jamais senti medo,sempre que foi preciso eu o enfrentei com coragem.Sou mãe,e pensava no que seria capaz de fazer se algo assim acontecesse comigo.

Mais 4 anos se passaram e Ione partiu;mas usufruiu plenamente da presença dessa filha,que talvez sem a minha intervenção,ela tivesse perdido para sempre.

A partir dai,outros casos apareceram na minha porta...mas essas serão outras histórias.