URSOLÃO E EU

A minha vida adulta e, principalmente doméstica, foi decisivamente influenciada pela Família Urso, desenho animado criado por Walter Lantz na década de 1960. Os episódios, que foram reprisados por décadas, fizeram parte da minha infância. Ursolão, o pai, sempre tentava consertar o encanamento, as instalações elétricas, a porta e outras situações desajustadas no ambiente do lar. Em nome da economia, Ursolão se lançava a essas aventuras munido das melhores ferramentas e nenhum preparo. Em nome da sanidade, este cronista e, principalmente, em nome de Úrsula, a urso mãe, seria mais recomendável contratar os préstimos de um profissional.

Nem precisa dizer que Ursolão, sempre com Ursolino, o urso filho, a tiracolo, metia os pés pelas mãos e tratava de piorar o problema, com a sua inaptidão para consertos domésticos. O resultado é que Ursolão e Ursolino eram vítimas da fúria e de algum objeto como taco de beisebol, da sempre nervosa senhora Urso. E no final o técnico tinha que ser chamado para solucionar o problema.

Acontece que esse desenho foi um marco na minha vida. Ele me traumatizou e determinou todas as minhas ações e, principalmente, a minha falta de ações, quando se trata de fazer pequenos reparos caseiros. Entupiu o cano? Ligo para o encanador. Problema na rede de energia? Serviço para o eletricista. Goteira? Nada que um bom pedreiro não resolva em minutos. Eu fico feliz. Os profissionais ficam felizes. E todos vivemos felizes para sempre, cada um fazendo a sua função. Não consigo imaginar uma lógica mais perfeita para essas situações.

Como se não bastasse a influência da Família Urso sobre a minha vida ainda pesa o fato de eu saber que anualmente os gastos com acidentes domésticos custam R$ 63 milhões aos cofres do SUS, além de muitas mortes de crianças e adultos. Não tenho como sonho engrossar esta estatística ou desfalcar ainda mais o já tão combalido SUS. Também não me sinto nem um pouco seduzido por elogios sobre a minha capacidade de consertar encanamentos. Isso não altera a minha condição de macho. Continuarei um macho, só que do tipo que terceiriza certas obrigações.

Ao contrário de Ursolão não almejo essa glórias. Isso me livra também de ter um cano estourado na minha cabeça ou ser afogado pela água da pia. Mais que isso, não pretendo ser alvejado por um criativo repertório de pancadas por alguma senhora Urso. Acho mais justo e confortável ligar para o técnico e pagar-lhe R$ 30,00. Enquanto ele faz o trabalho sujo, posso me dar ao luxo de me esparramar no sofá e ver televisão. Acho que sou um urso à moda antiga.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 14/03/2010
Reeditado em 14/03/2010
Código do texto: T2137903