A Prata no Prato

Era mais uma noite daquelas de congelar os ossos. O homem alto, de rosto soturno, vagava cabisbaixo pelas ruas escuras da cidade, quase que arrastando-se sobre suas pernas. Um ser sem identidade, sem lembranças, de passado duvidoso, sem ter a quem recorrer, exceto, claro, por aqueles que também encontravam-se na mesma situação que ele, mas que, definitivamente, não poderiam ajudar muito, já que necessitavam de auxílio tanto ou mais que ele.


A fome era eterna companheira, caminhava ali, junto com sua sombra. Na verdade, o homem achava que nem sombra tinha mais. Imaginava que em noites escuras como aquela, a Lua não desejaria estar no céu, só para não ter que olhá-lo ali embaixo e encarar a sua má-sorte. “
Nem a Lua e nem as estrelas!” – o homem sussurrava para si mesmo, entristecido.


No abrigo era servido sopa e para lá, dirigia-se todas as noites com seus companheiros de destino. Homens, mulheres e alguns menores, todos excluídos pela sociedade moderna. Mas naquele lugar havia voluntários, que dedicavam um pouco do seu tempo para estarem ali, todos os dias, para oferecer-lhes a refeição. Pelo menos, não dormiam de estômago vazio, se é que era possível dormir assim.


Ao servir-se daquela sopa quente, um pouco rala naquela noite, decidiu comer lá fora. Pensava que em algum momento a Lua poderia aparecer. Ah! E como ele adorava a Lua e toda aquela imensidão prateada, que guiava seus passos à noite, sem cegar-lhe a visão como fazia o Sol, de dia.

À medida em que ia “sugando” sua refeição, questionava-se por que havia noites em que a Lua não aparecia no céu. Ele realmente não sabia. Então, intrigado, imaginou que ele não a veria mais, assim como a esperança, que ele não sentia mais em seu coração. Desejava que um dia sua vida mudasse, ter a chance de conseguir um bom emprego, uma casa, e até mesmo uma família de verdade. O homem fazia este pedido, todas as noites, antes de dormir no banco da praça, sob a luz das estrelas, no centro da cidade.


Restava-lhe apenas uma pequena quantidade de sopa quando, de repente, ao enfiar a colher mais uma vez, deparou-se com um brilho muito bonito em seu prato. Não sabia de onde vinha, mas era prateado. “Que é isso?” O homem embeveceu-se com o que via. Seus olhos não podiam crer. Quando ergueu seu rosto para o céu, lá estava ela, cheia, linda, a fitar-lhe.

O homem entendeu que não é porque a Lua se esconde algumas noites, que deixa de existir, assim como a esperança que mora em cada um de nós. Ela pode esconder-se, de vez em quando, mas não desaparece jamais.


Eritania Brunoro
Enviado por Eritania Brunoro em 20/03/2010
Reeditado em 13/06/2010
Código do texto: T2149573
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