Cicatrizes (EC)
                         
   
               Escrevo somente para ouvir o silêncio entre as palavras.


Dizem que em mulher não se bate nem com uma flor, eu diria, principalmente se a flor tiver espinho. O espinho da rosa aqui é a violência verbal, pois as palavras podem ferir e ferem mulheres e homens. Armazenadas na memória, causam cicatrizes que podem ser reabertas por outras experiências.

 
A palavra, como sabemos, constrói o mundo. “No princípio era o verbo e o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo, 1:1). Com palavras escrevo o mundo, invento a morte primeiro que a vida, reinvento o homem na exata medida da minha imaginação. Faço o assassino meditar, o teólogo protestar o sangue derramado em fogueiras, bruxas amarem o sol, pardais amarem gatos, anjos incendiarem divãs, demônios falarem de eternidade e borboletas voarem em minhas mãos.
 
É impossível viver sem elas. Também é quase impossível evitar ferir alguém por palavras, pois disparam em setas vivas. Nem sempre o que dizemos é o que fere, mas o que o outro ouve. Se perguntássemos ao outro o que ele quis dizer exatamente com aquela expressão, quase sempre nos surpreenderíamos com significado diverso daquele que julgáramos ferino.
 
Se disparada a seta é impossível contê-la. Se já se fez a ferida, só o tempo poderá cicatrizá-la. Quando ao tempo aliamos a arte, além do bom proveito que outros poderão tirar da tela, da escultura, da página, do filme, etc., teremos transformado a cicatriz em bordadura de ouro. São as cicatrizes que nos fazem ser tão ricos e únicos em nossa individualidade. São as cicatrizes também que nos unem, pois é sabido que a dor é o que mais nos torna humanos.



Este texto faz parte do Exercício Criativo - Cicatrizes.
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