Prêt-À-Porter, eu e o Homem de Palmeira dos Índios

Prêt-À-Porter nunca freqüentou escola. Não que elas não existissem, mais ou menos improvisadas, lá pelos cantões de Cantagalo. Era uma questão de tradição. Sendo neto de um Barão, embora há muito arruinado, o espaço escolar era reservado aos meninos e meninas dos colonos pobres da aldeia, e nunca por um nobre. Os que tinham estirpe, como se dizia, recebiam uma educação clássica nos limites do lar. Assim, as letras lhe vieram pelas mãos carinhosas da mãe e de um austero avô, amante de toda literatura, especialmente a que os nordestinos faziam.

Meu amigo, agora um septuagenário, revelou-me que leu Vidas Secas quando somava doze anos de idade e que, no auge de sua capacidade de amar, sentiu raiva do Fabiano pelo tiro de misericórdia desferido contra a pobre Baleia que, afinal, já estava mesmo para morrer. Ele percebeu, ali, que se estar vivo é uma questão de tempo em mãos alheias e que, portanto, o suicídio ou o sacrifício são procedimentos pouco sensatos. Ah, esse Prêt-À-Porter e suas sentenças de lógica, até porque Madalena lhe custou caro como a cadela.

Quanto a mim, relatei ao amigo que o primeiro livro degustado fora O Pequeno Príncipe, movido pela curiosidade para entender por que minha irmã mais velha chorara tanto lendo o tal livro. Na época, atribuí minha indiferença à pouca idade, insuficiente para entender a mensagem contida ali. Anos depois, submeti-me a sua releitura e devo ter continuado a não entender, pois não encontrei nada que justificasse todo aquele arroubo de uma legião de jovens.

Voltando às vacas frias, li Vidas Secas no ginasial. Minha professora, uma balzaquiana de olhar libidinoso, escolheu-me para ser o Soldado Amarelo numa montagem feita na escola. E embora, tal como uma Baleia em traje humano, eu sonhasse com um céu, não cheio de preás, mas sim de pessoas que se alimentam, enverguei o verdugo de Fabiano, e talvez venha daí minha ojeriza pela farda e pela estupidez que toda autoridade imposta inspira.

Fixando o amigo, sustentei que toda aridez é perversa. Culpa do clima, seja este conotativo ou denotativo, Não ter a alma encharcada é roer a esperança de tão dura até não restar sequer os dentes. E fomos, Prêt e eu, trocando figurinhas literárias.

Prêt-À-Porter adorou São Bernardo; eu, Angústia. Não sei se o dileto amigo chegou a ser um Paulo Honório, mas no que me diz respeito, tive um Julião Tavares e vi uma Marina amargar a vida aviltando uma outra. Vem daí o meu espanto com as mortes prematuras e os desígnios divinos. Prêt-À-Porter coçou as costas e falou que somos todos híbridos, e de muitos eus. Em cada pretensa imparidade perfilam Luíses da Silva, Fabianos e Honórios como um mosaico. Só a angústia continua mesma.

Em seguida, pediu a Sagatyba. Preferi a cerveja saída do cu da foca. E como num jogo do siso, cravamos os olhares. Com pálpebras obedientes, sem piscadelas, sentimos ardências que prenunciavam chuvas. As lágrimas vieram e mudos, deixamos que elas arassem o cariri de nossas almas cansadas de tanto estio. Em seguida, sorrimos, pagamos a conta e fomos embora, cada qual para a sua solidão, mas felizes.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 28/03/2010
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