QUEM TEM ALGUMA COISA PARA DIZER?

Passei na locadora de vídeos e, sem opções, desprezei a estante de lançamentos. Nela estão os DVDs de sempre: tiros, socos, pancadas e muitos efeitos de todas as espécies e sempre especiais, roteiros medíocres. Fui adiante e deparei-me com A Queda; um filme alemão; roteirista, diretor e atores, todos alemães contam os últimos dias de Adolf Hitler em seu bunker de Berlim. Os russos estavam há poucos quilômetros. O filme, por sua origem, conta a história do ponto de vista do derrotados e não dos vencedores como é comum e estarrecedor. E foi isso que me chamou atenção pois a história já se conhece. Restrito ao bunker o roteiro de Bernd Eichinger se desenvolve sem a linguagem e o ritmo dos filmes de guerra conhecidos e norte-americanos. Não há movimentação de tropas nem tudo o mais óbvio. Nem heróis, nem estrategistas fabulosos e com raiva do inimigo. No final do filme, depois do suicídio de Hitler e de sua legítima esposa - eles casaram-se no bunker e Eva Braun não era apenas sua amante, como muitos sustentam - é apresentado o destino de cada figurão. Uns suicidaram-se outros foram presos e julgados no Tribunal de Nuremberg, condenados e presos até a morte. A história é contada por Traudl Junge, a secretária particular de Adolf Hitler. Nesse filme, dirigido por Oliver Hirschbiegel, estão Magda e Joseph Goebbels e seus filhos menores mortos pela mãe. Goebbels mata Magda e depois se suicida. Como Hitler, é também cremado no bunker construído por baixo da Chancelaria do Terceiro Reich. Durante 10 dias o staf nazista discute e se desespera diante o avanço implacável do Exercito Vermelho. Hitler tem planos; nenhum funciona pois ele não tem mais o exército que imaginava anda existir. Goebbels, Himmler e Speer se detestam, se odeiam. Seus auxiliares, centenas de militares e civis, vivem esses dias em salas e corredores lacrados, com luz artificial, mas com todo o conforto possível. Bebem e comem do melhor, fazem festas, dançam, comemoram e no final se embebedam pateticamente. Nesse filme a Queda, seu nome em português, Der Untergang seu nome original em alemão que significa também eufemisticamente a morte, vejo pela primeira vez, entre tantos outros filmes que já assisti sobre os momentos finais do Terceiro Reich, aspectos nem sempre considerado. Adolf Hitler era educado e gentil e para seu povo era uma solução. Ao recriar Hitler o cinema sempre mostrou um estereótipo que do ponto de vista moral e imaginativo tem seu compromisso com o vergonhoso e com a cumplicidade. Em geral, Hitler sempre nos foi apresentado de maneira ridícula e toda a Alemanha, o povo alemão, em absoluto acordo com a ideologia do Nacional Socialismo - que era oposta ao socialismo marxista. O centro da ideologia nacional-socialista é a raça. Hitler acreditava que uma grande nação é a criação suprema de uma raça. Acreditava que a raça ariana era uma das 4 raças humanas e que essa raça eram os povos germânicos da Escandinávia, descendentes dos arianos da Índia. Com pele clara olhos azuis ou verdes e de alta estatura, seriam eles, pois, o povo sonhado por Hitler. E a grande maioria dos alemães acreditava nisso. Os que não eram nazistas, porém, não discutiam essa questão; não contestavam. O Nacional Socialismo dominou a Alemanha com a crença numa raça superior. Isso levou o país a destruir a Europa e si mesmos. Sem nenhuma contestação, sem divergências relevantes internas a Alemanha nazista destruiu-se em seu próprio interior. Até os últimos 10 dias num abrigo sobre a terra, no centro de Berlim, Adolf Hitler resistiu. Não se entregou, não foi preso. Suicidou-se com Eva Braun e seus corpos foram cremados.

Depois de assistir o filme me veio à cabeça - talvez por um insite de repertório - a história de Martim Niemoller. Alemão não judeu, cristão, pastor protestante, comandante de submarino durante a Primeira Guerra Mundial, anticomunista e ex-nazista. Martim Niemoller enfrentou Hitler.

Nascido em l892 em Lippstadt, Westphalia, Martin Niemoller opôs-se a falsificação da doutrina bíblica feita pelos cristãos alemães de ideologia nazista e imposta pelo novo governo alemão em l933. Hitler queria que a igreja se eximisse de todas as questões terrenas do povo alemão. Martin Niemoller não aceitou. Numa recepção, em l934, na Chancelaria do Terceiro Reich, Martin Niemoller cumprimentado por Hitler, segurou fortemente sua mão dizendo: “Chanceler, o senhor disse que devemos deixar em suas mãos o povo alemão, mas a responsabilidade pelo nosso povo foi posta na nossa consciência por alguém inteiramente diferente”. Hitler desembaraçou-se daquele aperto de mão, não disse nenhuma palavra e seguiu cumprimentando os outros convidados. A partir daquele momento Niemoller passou a ser vigiado pela Gestapo e proibido de pregar em sua igreja. Ele porém não aceitou essa condição e foi considerado o maior, e mais importantes, contestador do regime nazista recém chegado ao poder. Quatro anos depois é preso, julgado e condenado a sete meses de prisão e a pagar multa de dois mil marcos. Hitler porém achou pouco e mandou Martin Niemoller como seu “prisioneiro pessoal” para um campo de concentração. Primeiro para Sachsenhausen e depois para Dachau onde ficou até o fim da guerra e a queda do império nazista. Eleito Presidente da Igreja Protestante da Alemanha em l947 permaneceu nesse cargo até l964. Niemoeller foi um pacifista cristão que se notabilizou por sua luta contra o nazismo em sua pátria e, principalmente, por suas declarações contra os alemães que não tinham coragem de falar contra o regime nazista.

“Primeiro eles vieram buscar os comunistas, mas eu não era um comunista então eu não tinha que dizer nada. Depois eles vieram buscar os socialistas e os sindicalistas trabalhistas, mas eu não era nenhum deles e então eu não tinha que dizer nada. Depois eles vieram buscar os judeus, mas eu não era judeu, então eu não tinha que dizer nada. E quando eles vieram me buscar não havia mais ninguém para dizer alguma coisa por mim.”

Martin Niemoller morreu em 6 de março de l984. Esse trecho de um de seus discursos permanece até hoje como uma verdadeira advertência àqueles que não se comprometem, que não expressam suas convicções; àqueles que sempre concordam porque ninguém discorda.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 14/08/2006
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