Voltaire viveu minha vida? (biografia inusitada de François-Marie Arouet)

François-Marie Arouet é o nome.

Viveu boa parte da vida em Paris. Cidade que, segundo a velha serpente, não perde em muito para o nascedouro da maçã.

Lá, em Paris, François foi preso por lhe ser atribuído toda boa anedota sobre o duque de Orléans e, como se já não tivesse se divertido o bastante, foi preso novamente um pouco depois por desafiar um cavaleiro a duelar. Imagine, um duelo de verdade!

Além disso, cultivou também confusões e fez reputação na Holanda, Alemanha, Inglaterra e qualquer outro lugar que porventura tenha pisado.

Antes de completar 40 anos, um editor publicou sem autorização as suas "Cartas Filosóficas", que imediatamente foram queimadas (literalmente) pelo parlamento de Paris... Eles consideraram a obra escandalosa, uma ofensa à religião e à moral. Ou seja, melhor impossível.

Mas a vida não é só farra e difamação em solo estrangeiro. O bom François defendeu Calas, um pai acusado injustamente de ter assassinado o próprio filho. Na verdade, a coisa é mais complexa: Acontece que um jovem se suicidara em Toulouse. Havia, contudo, uma lei pela qual o corpo dos suicidas deveria ser arrastado pelas ruas e depois enforcado em público.

(correto, eles enforcavam uma pessoa já morta)

O Bom François não admitiria isso. Jean Calas, pai do rapaz, arranjou tudo para que o suicídio parecesse morte natural e o corpo do filho fosse respeitado. Mas Calas era protestante e acabou sendo acusado de assassinar o filho que supostamente queria se converter ao catolicismo. Foi preso, torturado e morto.

Com isso, François lançou uma campanha, contratou advogados e enviou defesas aos tribunais. Foi algo tão impressionante que em seu túmulo o que se lê é "Ele defendeu Calas". Quanta nobreza.

No círculo de amizades, teve a chance de conhecer e papear (discordar?) com D'Holbach, Condorcet e aquele outro... Como se chamava mesmo? oh sim, Montesquieu.

Da Academia Francesa ganhou uma coroa de louros, mas isso só depois de ter sido aplaudido exaustivamente durante vinte minutos...

Nas horas vagas, entre uma prisão e outra e mesmo durante a sentença, François deu-se o trabalho de criar os melhores contos filosóficos da história ocidental... A lista é grande: "O Destino", "Memnon", "Micrômegas", "O branco e o preto", "O ingênuo", "Cândido" e etc... Nada mal, hein?

Faleceu em 1778 e antes de morrer teve forças pra expulsar do quarto um último padre. Mas, se você quer uma vida que marque, é preciso aprontar mesmo depois de morto. Como? Bem, em Paris lhe recusaram uma sepultura cristã. Os amigos, então, colocaram o corpo numa carruagem, fazendo-o passar por vivo, (sim, você leu correto) e o levaram sentado (leu correto novamente) até Salier.

Espere. Depois de enterrado, seria legal aprontar outra, hein? Ok. Doze anos depois, a Assembléia Nacional da Revolução obrigou Luis XVI a transladar o corpo para o Panteão de Paris. Setecentas mil pessoas acompanharam com emoção ao cortejo.

Faça uma lista das pessoas que tiveram uma vida tão movimentada após a morte e verá que não surgirão muitos nomes.

Trocando em miúdos e fazendo uma matemática simplória, François-Marie Arouet, o vulgo VOLTAIRE, realizou todos meus sonhos, desejos e ambições, pelo menos duzentos e quatro anos antes de eu ter nascido.

Sabendo disso, alguns senhores derrubam minha porta, tiram-me da cama e gritam “escreva uma crônica! E faça bem feito”.

Não parece haver limites para o sadismo.

Compreendam meu sofrimento!

R Corteletti
Enviado por R Corteletti em 23/11/2004
Reeditado em 06/09/2005
Código do texto: T217