Por onde andarão as ninfas de outrora?

Por onde andarão as ninfas de outrora? - Indaga-se o poeta por toda parte, aos berros, aos resmungos, aborrecido, sem inspiração. Sim, senhores, o poeta está sem inspiração. O poeta é um funcionário público. O poeta cospe saliva como todo homem vulgar, o poeta diz asneiras, o poeta coça o saco, o poeta é um homem vulgar. Mas não, o poeta põe a culpa na paisagem:

- Ah, essa paisagem, essas ruas miseráveis do subúrbio, essa gente feia perambulando pra lá e pra cá, esses vendedores ambulantes, essa música pobre das rádios, essa rotina, esse calor, essa garoa, que maçada, meu Deus, que maçada! E esse cachorro puguento revirando as sacolas, mijando na porta de casa, essa porcaria, esse fedor dos infernos... Ah, ao menos vivesse eu numa Arcádia, cheia de ninfas e carneiros, tivesse pelo menos Marília para me inspirar uns versos, daqueles bucólicos, bem simplesinhos, passearíamos pelos sítios formosos, pelos regatos, ouviríamos os gorjeios dos pássaros, silenciaríamos gravemente ao pôr-do-sol... e se fosse eu ao menos um pescador, teria tanta história bonita pra contar, tanto mar por descobrir, tantas mentiras para... Ah, se eu fosse ao menos Dorival Caymmi!...

E o poeta pára. Relê o que escreveu. Reflete. É, conclui que não ficaram de todo ruins os primeiros parágrafos. Mas, e aquele "outrora" do primeiro período? Que é isso? Não bastaria dizer simplesmente "Por onde andarão as ninfas?". Porque irritar o leitor com essas palavrinhas metidas à besta que ninguém mais usa, porque não dizer o essencial "Por onde andarão as ninfas"? Mas não, o poeta contra-argumenta, e diz para si mesmo: é tudo pelo apreço formal, um adorno gracioso, que, além do mais, dará ao verbo a circunstância temporal... Traduzindo: não há mais ninfas, aquelas de outrora não existem mais. Então, onde estão - pergunta-se - desamparado, o triste poeta, as ninfas de outrora?

Ele volta seus olhos para a lua, queria que estivesse cheia, que coroasse a sua noite melancólica com mais aprumo, mas a lua não está nem aí pra ele, e a lua cheia se faz esquálida lua minguando na bruma. "... Esquálida lua minguando na bruma...". Ele se detém nesse período. Daria um belo verso, pensa ele, quase exultante... Mas logo esquece o verso. Sabe-se ridículo.

O poeta ia pensando outras coisas, a lua é que lhe distraíra um pouco. Sempre aluado esse poeta. Fica pensando, quando deixou de reverenciar verdadeiramente as estrelas, quando tudo se transformou numa mera retórica, entulho de palavras vazias, esse poço de tédio e vaidade? Ah, poeta... Para onde caminhas? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse ao menos a valsa vienense...

E essa cara amarrotada de tédio, aborrecida nos coletivos, nos metrôs, essa cara de quem bebeu tudo, de quem fumou tudo, até o filtro do último cigarro, e que nada mais teve, senão tosses, vômitos, enjôos, solidões irreparáveis?

Ah, poeta, por onde andarão as tuas ninfas, sim, as tuas ninfas de outrora?

Possivelmente - cogita o poeta - devem ter percebido que esse negócio de literatura não tem dado grandes lucros e agora estão lá, aquelas vadias, empregando sua força de trabalho a serviço de algum pop star bonitão e famoso... Ah, vá saber!

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Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 01/04/2010
Reeditado em 06/08/2010
Código do texto: T2171266
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