A ditadura da juventude

Toca o telefone; é o Rivo, fotógrafo de conceituado estúdio de B. Camboriú: “Donald, precisamos de um modelo exatamente como você.” “Onde penduro a roupa?” Não era para revista, apenas para uma campanha séria. Aí ouço a explicação de terem “escolhido” a mim: “Sabe que nenhuma agência tem modelos de sua idade?” Modelo, eu?

Brincadeiras à parte e reflexões a fazer: que maldita ditadura é essa, que estabelece que só a juventude tem beleza, charme, simpatia, sucesso? Que endeusamento é esse, que despreza a experiência, as marcas da vida? Que protótipos de felicidade são esses, que valorizam a impetuosidade e não a ponderação?

O culto da beleza, aliada unicamente à juventude, é um sinal desses tempos tão vazios de valores. Esse culto leva à criação de protótipos cada vez mais agressivos que levam ao preconceito, a sacrifícios idiotas e, até, à morte.

Permanecer jovem de espírito, cuidar do físico e da beleza nada tem de errado: errado é o culto, com base em conceitos fabricados pela moda e pela mídia, que imitam as novelas de TV: só existem pessoas bonitas no mundo. A maioria, deslumbrante. Nas novelas, por força de ter que dar certa veracidade, ainda colocam gente de mais idade, mas o critério geral não muda.

Por que a maioria das agências não têm, em seu casting, pessoas de meia idade ou idosas? Quer dizer que, no mundo, elas não existem? Por que as pessoas precisam ter a pele macia, sedosa e sem rugas para serem bonitas? Há alguma coisa de podre, como diria Shakespeare. Cada idade tem sua beleza, seu encanto, o que, obviamente, não dá o direito a ninguém de ser relaxado.

Tenho várias lembranças de beleza feminina, mas duas sempre me encantaram: minhas duas avós; ambas morreram com bem mais de 80 anos de idade; uma, sem perder a elegância jamais, embora de grande simplicidade; outra mais do que simples, andando descalça ou, no máximo, de tamanco. As duas traziam as marcas da vida escritas no rosto, mas sempre souberam sorrir e enfrentar o mundo. Simplesmente lindas com suas idades. Sem plásticas, sem protótipos, sem ditaduras: apenas belas, pelas vidas que viveram.