O homem que amava a bola e os urubus

Para todos os botafoguenses que amavam Garrincha

Durante a Guerra da Independência, o imenso pátio fora palco de batalhas e morte e sangue. As colinas verdes da Virgínia e o pomar, nos fundos da casa bicentenária, trataram de esconder todo sangue. Os donos, um casal de anciãos, ele, ex-oficial da Força Aérea, ela, balonista ainda praticante. Nada demais, se não tivessem, ambos, mais de 80 anos de idade e um avião monomotor no meio do pomar que escondia uma precária pista de pouso. Ele levou-nos a passear de avião; antes de decolar, pedia autorização à torre e desligava o rádio. Perguntei por que o fazia: “Desligo antes que digam não, assim sabem que vou decolar, mas não dá tempo de impedirem”, contou, com jeito e sorriso de moleque.

Lembrei-me deles ao saber da morte de Armando Nogueira, o homem que amava a bola e os urubus. Entusiasta do vôo de ultraleve, admirava-os pela graciosidade do vôo, pela sabedoria no uso da termas, pelo pouco esforço que fazem para voar, por saberem usar a natureza com sabedoria. Num de seus textos falava de como observava esses pássaros quando ele próprio voava. Seu texto tinha a leveza do ar que o sustentava e do vento com quem tinha que negociar rotas para seus passeios, e havia uma espécie de riso extasiado em suas palavras, talvez por isso minha lembrança dos velhinhos americanos e de seu prazer nas pequenas peraltices.

Armando Nogueira foi um ícone do jornalismo brasileiro não apenas por ter criado o Jornal Nacional e feito dele um dos telejornais de maior audiência do mundo, mas por sua infinita dedicação ao esporte, especialmente ao futebol. Cobriu todas copas do mundo desde 1954 e sei lá quantas olimpíadas, o que lhe deu um conhecimento sem concorrentes, que aliava a uma espécie de lirismo realista, fazendo com que suas crônicas não fossem apenas lidas, mas degustadas por todos amantes dos esportes e das palavras.

Compará-lo com Garrincha, de quem dizia que “um pedaço de guardanapo era um latifúndio”, não deixa de fazer sentido, embora a responsabilidade fosse uma marca registrada de Armando. Seu texto “A Bola” (veja: http://videolog.uol.com.br/video.php?id=317676) mostra isso bem. Termina assim: “Um dia, antes do derradeiro apito, ela há de morrer, como gol, no fundo do meu coração”. Não morreu, ainda há bilhões de corações para fazer sorrir.