O Patrono

Quando Sátiro Dias - minha querida terra -, deixou de se chamar Junco, ela ganhou o seu primeiro prefeito. Ele, após ser leito, chegou em carreata sob um pesado ribombo de fogos de artifício e se ateve sobre os degraus da igreja matriz aonde, eloquentemente, fez seu primeiro discursou para uma multidão de eleitores dizendo-lhes que, com a ajuda de Nossa Senhora do Amparo, a padroeira, sua principal meta seria construir uma escola na cidade. E o povo lhe aplaudiu gloriosamente, e eu, também, estava lá em meio à aclamação.

Minhas palmas foram as de um menino que sonhava com uma escola ampla, nova, pintada, bonita e com ótima professora. Esta promessa veio em curtíssimo prazo.

Lembro-me com clareza da ocasião em que foi amplamente debatido o nome de batismo da referida escola, que estava preste a ser inaugurada, e que foi a maior polêmica que já vi e ouvi:

- Olha! Eu fui um dos alunos da primeira turma, com a professora Suzete,

*

Os homens apeavam de seus cavalos e se juntavam em volta às mesas nos botecos do lugar, e entre fartos goles de cachaça eles contavam piadas, faziam chacotas e charadas enigmáticas, manipulavam cartas de baralho e pedras de dominó, mas, por fim, já estonteados, discutiam veementemente os mais variados nomes de um possível patrono da escola.

Uns queriam que ela se chamasse Escola Manoel João da Cruz, outros diziam que o nome do tal indivíduo estava errado e que o correto seria João Manoel da Cruz, mas tinha os que juravam que era apenas João da Cruz, por fim, concordavam que fosse qualquer fulano ou sicrano, mas que tivesse a bendita Cruz como elemento de referência e respeito, e que o escolhido fosse um dos pioneiros de ocupação das terras do lugar.

O certo é que, entre eles, quase ninguém sabia o nome completo de nenhum indivíduo que por lá viveu a cerca de 80, 100 anos atrás, e por fim concluíam que esses “Cruzes” não tinham nenhum fundamento com casa de educação porque todos eram analfabetos por hereditariedade.

E todos riam ruidosamente às gargalhadas.

Na época eu tinha 12, 13 anos, mas me lembro perfeitamente bem.

Os debates se acirravam nos pés de balcão e nunca alguém chegava a nenhuma conclusão. De repente alarmou-se oficialmente o nome do patrono da escola:

Edgar Santos.

- Quem é esse cara? - Era a pergunta discordante que ficava perdida no ar.

Creia, foi o maior arranca rabo que se instalou na pacata cidade recém-emancipada. As discussões fervilhavam entre os descontentes e por unanimidade o Edgar Santos foi rejeitado nas vendas, nos botecos e na feira livre, mas todos tiveram que engoli-lo com pingas e águas goela abaixo. Era esta a segunda vez que os satirodienses se decepcionavam com tal absurdo, pois tanto o Sátiro Dias – nome da cidade dado à revelia da população local - quanto o Edgar Santos, foram nomes de personagens escolhidas pela elite baiana nos gabinetes palacianos, e o povo do antigo Junco, mais uma vez, teve que aceitar cabisbaixo um estranho que para sempre ficaria inserido em suas vidas.

Recordo-me das perguntas que faziam sobre o patrono da primeira escola da cidade:

- Mas... quem é esse cara?

- Quem é esse sujeito?

- Quem é esse fulano?

- Nós queremos um Cruz, que seja o João da Cruz; Pedro Cruz; Ambrozina Cruz; Manoel da Cruz; José da Cruz, Maroca da Cruz; Tindôle Cruz, menos o nome desse cara de quem nunca ouvimos falar.

Ninguém de lá o conhecia e creio que poucos o conhecem até à presente data.

- Bom, deixa isso pra lá. O importante é que gostei da professora Suzete e tenho que me orgulhar de ter frequentado uma escola cujo patrono tem um nome de relevante importância no cenário das letras e da medicina brasileira.

*

Edgar Santos - o Reitor Magnífico

"...Foi um dos mais brilhantes médicos da Bahia com cátedra em Patologia. Foi Reitor da Universidade Federal da Bahia e criador do Hospital de Clínicas da Bahia o qual recebeu merecidamente o seu nome. Ele foi Ministro da Educação no Governo Vargas e, posteriormente, foi Presidente do Conselho Federal de Educação. Foi também membro da Academia de Letras da Bahia".

*

Este foi - o cara; o sujeito; o fulano -, inocentemente rejeitado para ter o seu nome explicitado na fachada de uma casa de educação mas, que, a partir da linha limítrofe do Junco, ele era um insígne para a Ciência, a Política e a Cultura.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 03/04/2010
Reeditado em 29/09/2012
Código do texto: T2175277
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.