SIMPATIA

Não sei se ainda está muito em voga nos dias atuais, mas nos meus anos de moleque havia um sem número de simpatias para curar quase tudo. Lembro-me das minhas verrugas nos dedos e a minha prima Wanda, craque nessas coisas, logo, logo me arranjou uma simpatia. A bem da verdade não sei até hoje se ela existia mesmo ou se foi inventada exatamente naquele momento.

Constava em pegar uma linha comprida, um barbante ou coisa parecida, bem fina. O segredo era o fio estar bem camuflado para que outras pessoas não vissem. Fazia-se uma escoriação sobre a verruga até obter-se um pouco de sangue e encostava-se a linha naquela gota para que a tingisse de vermelho. Então, amarrava-a atravessando uma trilha, por exemplo, de tal maneira que outra pessoa tocasse ali. Pronto! As suas verrugas passavam para aquela outra. Se eu fiquei sem as verrugas? Fiquei! Só não garanto se foi por causa da simpatia. Ou será que foi? Deixe pra lá!

Minha mãe era bamba nesse negócio de curar doenças daquele modo. Tinha várias, mas eu somente me recordo muito da que ela fez para curar minha irmã Darcy das suas crises de asma (aquela da paralisia curada pela promessa. Ela não perdia nenhuma oportunidade para aprontar um piti). Não me lembro de outra cena com tanta agonia.

Quando tinha a doença ficava de dar pena. Eu era muito pequeno, mas ficava impressionado com a dificuldade dela respirar, ofegante, inquieta, numa agonia danada e a gente pensava que morreria um dia numa daquelas crises. Não tinha posição para aquietar-se, passava de colo em colo e saia para o terreiro porque tinha falta de ar. Isso me deixava um pouco sem entender. Por que somente ela não tinha ar? Todos os demais estavam respirando normalmente, mas os mais velhos diziam que ela não tinha ar. Muito estranho; esquisito mesmo. Mas, criança não tinha direito de ter explicações detalhadas sobre o que não sabiam. Tava com falta de ar e pronto!

Um farmacêutico preparava um remédio para ela. Noite alta, madrugada, ia alguém a cavalo na farmácia do seu João buscar remédios para falta de ar. Me trumbicava todo, pois deveriam buscar ar, não remédio. Também não dava opinião. Sabia de antemão que não seria ouvido.

Ele mandava uma poção à base de ipeca. Vim conhecer isto muito tempo depois, porque, como já disse, não adiantava perguntar o que era ipeca. Garoto inteligente aqui não ia perder tempo e ainda levar esporro dos grandes por ficar perguntando tanto. Meu pai, imprudentemente, resolveu dar mais medicamento do que o recomendado para fazer efeito mais rápido, segundo os seus conceitos. Quase matou a menina. Agora era falta de ar, vômitos e caganeira. Ela não sabia que preferência teria de dar a uma ou à outra coisa.

Depois que passou aquela crise violenta, alguém deve ter ensinado à velha Milita um segredinho. Sei que ela fez uma simpatia com inhame chinês. Sei também que ela plantou o dito e sei ainda que se ele nascesse e desse origem a uma moita, minha irmã não mais teria asma, mas não poderia comer nunca a batatinha do inhame. Se alguém teve coragem de ler esta bobeira até aqui, digo que sei também que ela nunca mais comeu inhame e nem teve mais nenhuma crise asmática.

Acredita não? Nem precisa. Também, deixar de comer inhame não é lá esse sacrifício todo. Quer saber de uma coisa? Eu também não me arriscaria. Já não disse alguém que existe muita coisa entre o céu a terra? Trocar um inhamezinho mixuruca por uma falta de ar daquelas é estar num lucro e tanto! Eu, heim!

Ainda bem que o pessoal das simpatias é calmo, tranquilo, não é tão radical. Dureza é o fazedor de promessas e pior ainda aquelas feitas para outros pagarem. Já imaginou fazer uma promessa para alguém carregar uma cruz pesada? Ou subir de joelhos uns tantos degraus de uma escada até a Igreja da Penha? Manera, brother!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 03/04/2010
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