Se... e por quê?
Rosa Pena
“Casei cedo, passei das mãos de papai para as suas.”
Nora, personagem de Casa das Bonecas, peça escrita em 1879, por Henrik Ibsen
Quem leu ou assistiu à peça, lembrará as contestações de Nora, onde, revoltada com o marido, diz que acima dos deveres sagrados de filha e esposa existem os deveres dela consigo própria. Foi escrita há mais de um século.
Questiono comigo mesma o quanto houve de mudança nesse quadro. Percebo que eu, particularmente, ainda me identifico com Nora.
Papai ensinou-me, com afinco, os mandamentos sagrados do casamento: “Seja traída, mas não traia.” Esse, por si só, já é o bastante.
Não sei por que, de uns anos para cá, começou esta minha “desorientação espacial” (inversão do céu e da terra). Talvez porque minha sexualidade, meu encantamento pela vida estejam emergentes, quando deveriam estar em declínio.
Não aposentei meu coração. Meu corpo muito menos.
Quero exercer o amor, aquele que vai desde a genitalidade à espiritualidade. Acho lindo almoços de domingo, festas de aniversário de sobrinhos. Também acho delicioso dançar coladinho e ouvir murmúrios de amor baixinho.
Droga, por que não me conformo com as escassas emoções que a vida me tem reservado? Por que tanta inquietude?
Não quero fazer avaliações de erros do passado. Seria o mesmo que cristalizar meus fracassos. Ficar no “se” e “por quê”... Se tivesse casado mais velha. Por que não transei com o Miguel? Se tivesse feito faculdade de Direito. Por que comecei a fumar? Se tivesse ido morar no exterior...
Acho que a lista é enorme. Arrependimentos imensos.
Começo a colocar tudo na balança. Valeu a pena?
Então, lembro-me da amizade enorme, da solidariedade, do companheirismo cultivado durante anos de minha vida a dois. E sinto que amizade não sugere desejo, pois a amizade acalma, enquanto o desejo inquieta.
Não quero perder o amigo. Traz tranqüilidade.
Se gosto tanto do previsível, por que esta vontade louca do imprevisível?
2002
livro PreTextos
Rosa Pena
Rosa Pena
“Casei cedo, passei das mãos de papai para as suas.”
Nora, personagem de Casa das Bonecas, peça escrita em 1879, por Henrik Ibsen
Quem leu ou assistiu à peça, lembrará as contestações de Nora, onde, revoltada com o marido, diz que acima dos deveres sagrados de filha e esposa existem os deveres dela consigo própria. Foi escrita há mais de um século.
Questiono comigo mesma o quanto houve de mudança nesse quadro. Percebo que eu, particularmente, ainda me identifico com Nora.
Papai ensinou-me, com afinco, os mandamentos sagrados do casamento: “Seja traída, mas não traia.” Esse, por si só, já é o bastante.
Não sei por que, de uns anos para cá, começou esta minha “desorientação espacial” (inversão do céu e da terra). Talvez porque minha sexualidade, meu encantamento pela vida estejam emergentes, quando deveriam estar em declínio.
Não aposentei meu coração. Meu corpo muito menos.
Quero exercer o amor, aquele que vai desde a genitalidade à espiritualidade. Acho lindo almoços de domingo, festas de aniversário de sobrinhos. Também acho delicioso dançar coladinho e ouvir murmúrios de amor baixinho.
Droga, por que não me conformo com as escassas emoções que a vida me tem reservado? Por que tanta inquietude?
Não quero fazer avaliações de erros do passado. Seria o mesmo que cristalizar meus fracassos. Ficar no “se” e “por quê”... Se tivesse casado mais velha. Por que não transei com o Miguel? Se tivesse feito faculdade de Direito. Por que comecei a fumar? Se tivesse ido morar no exterior...
Acho que a lista é enorme. Arrependimentos imensos.
Começo a colocar tudo na balança. Valeu a pena?
Então, lembro-me da amizade enorme, da solidariedade, do companheirismo cultivado durante anos de minha vida a dois. E sinto que amizade não sugere desejo, pois a amizade acalma, enquanto o desejo inquieta.
Não quero perder o amigo. Traz tranqüilidade.
Se gosto tanto do previsível, por que esta vontade louca do imprevisível?
2002
livro PreTextos
Rosa Pena