As grades

Sento-me no sofá da sala, acompanhado de algo quente para beber e um livro que estava lendo. A manhã fria do sábado de inverno, sol tímido lá fora, folhas do ipê que, com sua exuberância enfeita a frente da casa, cobrem a rua de um roxo intenso.

Pela janela, entre as grades, vejo o mundo acordar, e passar pela minha rua. Ao menos o pequeno mundo que avistava naquela manhã, o mundo a partir da minha janela.

Bebi, abri o livro, mas continuo olhando lá fora. Notei algo que então me parecia sem importância, ou a rotina não me deixasse perceber: as grades da janela da minha sala.

Se a janela limitava minha visão do mundo, fazia do mundo percebido por mim apenas um grande painel pendurado na parede, as grades me protegiam desse mundo externo, estranho a mim. Protegiam-me das pessoas, animais, do “outro”, de ser invadido pelo “outro”. Enquanto estava ali, no meu pequeno mundo, elas me davam a sensação de segurança, já que sentia medo do “outro”, que na verdade nada mais é do que sentir medo de mim mesmo, demonstração de minha fragilidade...

Há tempos decidi me proteger dos “outros”, por isso a janela ganhou grades, o muro ficou mais alto, o carro passou a ter alarme, trava elétrica, e me cerquei de tudo que desse-me segurança. Meu medo do mundo lá fora me fez criar um mundo seguro, sem surpresas nem invasões dos “outros”.

As grades fazem-me ver as pessoas à distância, uma distância segura... Evitam que tenha contato pessoal com os que passam na calçada, me isolam de um mundo que não conheço, que não entendo e do qual tenho medo. Fazem-me ver as flores caindo entrecortadas pelas barras de ferro da janela, e me isolam da natureza, já que não me sinto mais parte dela, apenas espectador de seus eventos, apenas assisto, de forma passiva, as folhas caindo, as flores surgindo, pássaros cantando na manhã...

Olho então para as grades, para o portão, o muro, enfim, tudo o que me dá segurança e me faz viver bem, e fico tranqüilo, pois percebo que minha propriedade, minha família e meus bens estão protegidos da cobiça dos “outros”, e não me importo com o que faz os “outros” cobiçarem o que é meu, o que me pertence.

As grades me protegem, e isso é suficiente.

Então ligo a televisão, pois preciso saber como está o mundo lá fora...