DENTRO DO ONIBUS

O dia estava chuvoso e eu me encontrava dentro do ônibus azul a caminho de casa. Esfregava minhas mãos no intuito de aquece-las enquanto procurava ver alguma coisa pela janela de vidros embaçados pela respiração dos passageiros. A chuva lá fora era fina, fria e constante dando um clima de nostalgia e solidão em meio ao caos urbano.

O ônibus rodava lento quando alguém dera o sinal e um grupo de pessoas embarcou. Dentre os novos passageiros subira uma senhora de idade seguida por um casal e uma linda garota. Observava tudo isso sem dar muita atenção ao repetitivo subir e descer de passageiros, quando meus olhos se fixaram de modo pasmo nela. Naquela linda garota que iluminou todo o ônibus com sua beleza, beleza tal que meus olhos imediatamente se enamoraram por aquela maravilhosa obra de Deus.

Como nunca sentira antes, meu coração disparou e meus olhos não conseguiam observar mais nada além daquela deusa da beleza, moradora do Olímpio. O ônibus já não existia, os co-passageiros também não, somente eu, embasbacado a olhar, como quem devora, aquela “coisinha tão bonitinha do pai”. Invadiu-me a alma um imenso desejo de me aproximar, mas justamente com o desejo veio também a angústia: como? De que modo?

Observei que ela conversava uma vez ou outra com a senhora e com o casal que julguei serem sua mãe, irmão e cunhada. Esse diálogo inibiu-me ainda mais. Ó meu Deus, porque este ônibus não estraga! Seria uma chance. Nem acabara de pensar nessa súplica dirigida ao Todo Poderoso, quando o “busão” começara a engasgar e acabou estragando mesmo na Av. Pe. Eustáquio. Pensei com meus botões: “É meu caro, vai em frente, que até mesmo os céus estão a seu favor”. Não queria de maneira alguma perder aquela oportunidade concedida pela Providência.

Descemos do ônibus, a chuva continuava, fina, fria e constante. Aproximei o máximo possível daquela garota. Com meu guarda-chuva procurava dar-lhe abrigo na esperança de que ficasse bem juntinho a mim, bem juntinho, coladinho ... Tudo perfeito né?! Que nada! Faltou-me coragem para oferecer e a ela faltou audácia para pedir. Infelizmente nesta oportunidade, ou melhor, nesta ocasião o ônibus foi rápido. Bastaram dez minutos para que novamente estivéssemos rodando sob a fina chuva e sobre o asfalto molhado.

Embarcamos. Procurei ficar o máximo possível perto daquela que se tornara a dona do meu coração enamorado. Ela com toda a sua “possível” família, ficaram próximos à porta e eu também, é claro! O ônibus continuava seu percurso. Pessoas subiam, pessoas desciam. Nesse movimento dialético de passageiros surgiu uma vaga no banco e fora preenchido por aquela senhora que, eu já considerava minha adorável sogrinha. Não demorou muito e ela também se assentou no que procurei imitar também assentando noutro banco que dava de frente para o trono daquela rainha e da qual eu era um simples súdito “abaixonado”. O tempo passava e eu cada vez mais me angustiava por nada ter feito de concreto para ao menos conhecê-la.

O ônibus continuava seu itinerário quando de súbito veio-me a ideia, um artifício bem à adolescente. Escreveria um bilhete com meu nome e telefone. Assim o fiz e pus-me de pé pois já era cada vez mais próximo o ponto onde eu deveria descer. De pé, a menos e dez centímetros de minha desejada, invadiu-me a alma a grande dúvida: “Entregar ou não entregar?” O tempo era escasso. Aquela seria minha última e única chance. O ponto de desembarque se aproximava, minhas mãos já iam em direção a cordinha do sinal trêmulas pela ansiedade. Trêmulas também eram minhas pernas. Na verdade, todo o meu ser tremia. O suor corria frio sobre meu rosto, da minha espinha subia um frio de matar e minha barriga também entrara na era do gelo. A dúvida era cruel. Puxei a cordinha, o sinal estava dado, o ônibus diminuíra a marcha, dera a seta, a porta já estava se abrindo quando com leves toques chamei a atenção daquele anjo e tremendo entreguei-lhe o papelzinho dobrado e úmido pela transpiração intensa. O ônibus já se fazia inerte. A porta estava escancarada. Desci num súbito sem olhar para traz. Mal alcancei a calçada e comecei a correr, correr, correr... Correr como um animal assustado...

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 10/04/2010
Reeditado em 28/05/2022
Código do texto: T2188786
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