Pneu furado

Um domingo de trabalho como tantos outros, exceto a condição de adiar meu retorno para casa. A outra corretora necessitou levar a filha ao hospital, tive que substituí-la. Trabalhei dois turnos sem almoço, sem lanche, contemplando a chuva, uivos dos ventos da orla. Mais um domingo esperando um bom telefonema ou uma boa visita de eventual comprador.

Finalmente é chegado o momento de encerrar o expediente. Liguei o carro, andei por alguns metros, um pneu estava furado.

- Ai meu Deus, só faltava isto! Falei sozinha.

Para completar a situação, eu estava sem um centavo na carteira, nenhum filho atendia o celular.

Naquela confusão decidi pensar bem o que fazer. O único a me observar foi um catador de lixo ao meu lado, com aparência de mendigo. Ele perguntou:

- Quer ajuda madame?

- Não moço, obrigada, pode deixar.

Senti vergonha do que disse. Foi um sentimento de desconfiança, precaução, eu não sabia quem era aquele rapaz. O local era isolado.

Eu não suporto que me chamem de madame, aqui em Salvador as pessoas do meu tipo físico são chamadas assim por este pessoal mais humilde. Não concordo porque não sou madame, nunca fui. Se fosse não estaria ali faminta, cansada, em pleno domingo de páscoa.

Sei fazer tantas coisas, mas não aprendi trocar pneu de carro, nem tentei. Fiquei angustiada porque também não tinha dinheiro para pagar o trabalho, o que fazer?

Telefonei para uma colega que reside próximo, ela foi até o local, me emprestou 5,00 reais. O problema do pagamento já estava resolvido. E agora?

Quando era mais nova não faltavam pessoas para ajudar, sinceramente não sei o que aconteceu! Onde estavam os cavalheiros? rs rs

Observei um idoso se dirigindo a um carro, fui ao encontro dele, solicitei ajuda. Fiquei constrangida em pedir que trocasse o pneu, apenas solicitei que ficasse ao meu lado enquanto o rapaz catador de lixo executasse o serviço. Ele entendeu a minha situação, atendeu o meu pedido.

Chamei o catador, ele veio apressado ao meu encontro, teve disposicao mas não sabia fazer aquele servico,nem sabia o lado de rodar os tais parafusos. O idoso orientou o jovem catador de lixo, o pneu foi trocado, os parafusos apertados, que alivio.

No final perguntei o nome do catador de lixo, respondeu que era Wilson. Fiz o gesto de entregar-lhe o dinheiro, ele me olhou firmemente, suspirou, recebeu o dinheiro.

Agradeci o jovem e o idoso, segui para casa refletindo no acontecido, especialmente no semblante triste daquele jovem.

Marina Gentile
Enviado por Marina Gentile em 12/04/2010
Reeditado em 01/05/2010
Código do texto: T2191678
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