O BORRA BOSTA

Zé da Cinta era o único contador de cidade de Tomba Homem. Qualquer estabelecimento que se abria naquela região, acabava caindo nas mãos de Pangaré.

Com o escritório de contabilidade montado, tinha o orgulho de ter a única máquina de escrever da região.

Todo o mundo conhecia o Zé. Se você queria redigir um documento – Zé resolvia - Se quisesse mandar uma carta e não sabia escrever, Da Cinta colocava até no correio. Se quisesse um conselho matrimonial, Zé da Cinta sempre solicito, resolvia.

Era um homem de 35 a 40 anos. Pequeno magrinho e inofensivo. Nunca se soube o porquê do apelido já que nem cavalo tinha.

Mas como no interior às vezes não precisa explicar, ele aceitou o apelido e em seus bilhetes para comprar carne fiado ou para o armazém, ou gerente do banco, assinava Zé Das Cinta.

Só que como em qualquer mortal havia um defeito: Zé era um jogador inveterado.

A matriz do Zé era no bar da Nancy, onde funciona o carteado. Na sala dos fundos tinha até a mesa redonda com feltro verde.

Às vezes passava dias e noites sem ir para casa, sem passar no escritório. Lá menos mal. O pessoal do escritório já sabia o que fazer, levando em constelação que não tinha tanta coisa para fazer.

Na casa dele é que as coisas não andavam bem pelo menos para Santinha que andou reclamando com as amigas que o maridão não estava dando conforto que precisava na cama e quando dava, parecia que estava jogando porque algumas vezes trocou o nome de Santinha por parceiros do pôquer.

Santinha não era de se jogar fora. Morena não havia ainda alcançado os 30 anos, com olhos de um negro profundo. Suas feições de branco era do pai, um inglês que andou pelas terras de Minas na segunda guerra mundial a procura do mineral conhecido por malacacheta, item importante para a radiofonia naquela época.

Zé Da Cinta deu aos pais de Santinha, dois alqueires que faziam divisas com o córrego. Este foi o preço da esposa que foi feliz da vida morar na cidade.. Ele costuma dizer que saiu barato já que havia ganhado a terra no jogo.

Naquela tarde, enquanto o jogo comia solto, chegava na cidade o comprador de gado e de brigas Zé Bernardo, levantando poeira, fazendo uma zona com a buzina de sua caminhonete ano 58, na cor verde bílis.

Com aquele tamanhão que mal cabia dentro da boleia da caminhonete, com um chapéu de feltro cinza que aumentava ainda mais o seu tamanho, completava a farra de anunciar a sua chegada, cumprimentando os conhecidos aos berros.

Com o chapelão de abas largas na cabeça seu bigode que descia até o queixo e suas botas pretas, nas quais ele não permitia usá-la com qualquer sujeirinha, ela era engraxada a todo instante.

O perigo do Bernardo era quando bebia. Todos ao seu redor pisavam em ovos ao passar perto dele. Não precisava de nada para começar a confusão na cidade.

Ah! outra coisa. Agora, quando chegava na cidade de Tomba Homem, Zé Bernardo só ia embora depois de ter passado uma milhares de vezes em frente a casa de Santinha até ela aparecer na janela, fingindo olhar para os lados, despistando sua aparição com um pano na mão que passava aqui e ali.

De soslaio, olhava satisfeita para José Bernardo se deliciando com a certeza de estar sendo cobiçada pelo galante admirador.

No apaixonado Zé, aquele simples olhar quase parava o coração do grandalhão comprador de gado e de briga.

Há muito que o Zé Bernardo esta de olho na Santinha. Tudo começou na festa da padroeira da cidade, na barraca dos Vicentinos. Bernardo arrematara um frango assado nas mãos de Santinha.

Ao entregar o frango, Bernardo desajeitado segurou a bandeja junto com a mão de Santinha. Deu um choque nos dois. Ele não tirava a mão da mão dela e ela por mais que quisesse não conseguia tirar a sua mão.

Situação só resolvida com Antonio do Léu, sacristão desde pequenininho, pegou a bandeja e separou o magnetismo dos dois. Aquele fenômeno passou despercebido por todos, menos para o casal.

Desde este momento começou o namoro, pelo menos o comprador de gado e de briga, pensava assim. No começo, chegou a incomodar Santinha as inúmeras vezes que Bernardo passava frente a sua casa até que chegou o tempo que ele sumiu por dois meses, deixando Santinha desesperada.

Quando Zé Bernardo apareceu é que Santinha, com o coração aos pulos, se permitiu trair o marido, mesmo que realizado em pensamento.

Só sei que, um dia, Orlando da Banda, vizinho do Zé Da Cinta, - sua casa ficava na rua ao lado dando com os fundos na casa do contador -, estava no seu quintal buscando sabugo de milho para atiçar o fogão de lenha, viu um vulto pulando o muro da casa do Da Cinta.

O vulto apoiou e desceu pela jabuticabeira que cresceu na beira do muro. Orlando, curioso esperou por horas para saber quem estava pulando o muro da casa do amigo e vizinho.

Sua intenção era a de avisar o sargento da polícia militar responsável pela ordem na cidade. Mas quando descobriu que era o Zé Bernardo, se encolheu atrás do paiol para não ser visto pelo grandalhão comprador de gado e de brigas.

As visitas começaram a ser mais habituais. Orlando da banda consultou sua mulher, que prática respondeu “a mulher é sua? Então não meta a colher”

Mas na consciência de Orlando, não era possível que deixasse o amigo sofrer tão grave humilhação. E quando o vulto desajeitado do Bernardo descendo pela jabuticabeira, Orlando da Banda tomou coragem e decidiu que daquele dia não passava.

Enquanto isto, na mesa do jogo, Zé ganhava a terceira mão. A sorte estava de seu lado, hoje é dia de ganhar

Estava tudo dando certo para Zé da Cinta que nem podia adivinhar o que ia acontecer dali a pouco.

Da Banda entrou no bar sem se dirigir a ninguém. Imbuído dos mais nobres pensamentos aproximou-se de Nancy e pediu para falar com urgência com o Senhor Zé Da Cinta. A voz quase não saiu.

Teve que esperar impacientemente mais de duas horas para o Zé o atender. Entrou na sala dos jogos esbaforido, gaguejando, atropelando as palavras conseguiu finalmente contar o ato de traição da Santinha.

Da Cinta, pego pela surpresa da notícia, irritado e aos berros perguntou ao Orlando, quem era o Filho da Mãe que ousava fazer aquilo.

Orlando suando, falou baixinho e por exigência do Da Cinta que não ouviu, pediu para Orlando falar mais alto.

ZÉ BER NAR DOOO.

E o nome ecoou por toda a sala. O local ficou parado, em um silêncio total.

Todos que haviam levantados para formar uma comitiva e dar uma surra naquele que pretendia desfazer um lar voltaram aos seus lugares, quietos.

Zé Da Cointa ficou imóvel como um boneco com a boca aberta. Sentou-se devagar e fixou o olhar no Orlando da Banda.

Tomou fôlego e disse bravo: Que merda você fez Da Banda. Não tinha nada de vir aqui contar. E agora eu tenho que resolver o caso e você não vai querer ir no meu lugar, seu filho de uma porca!.

O ritmo na casa de jogo foi aos poucos retornando ao normal. As cartas e as fichas foram recolhidas. Ninguém faria mais nada esperando pela vingança do amigo traído.

Da Cinta tomou dois cafés quentes, uma água de coco, bebeu uma garrafa de Grapete sem tirar a boca do bico até que finalmente, decidiu:

Estufou o peito pálido e falou tentando engrossar a voz. Eu vou lá em casa!

Recebeu uma salva de palmas e começou a procissão que por onde passava engrossava as fileiras. Zé na frente sozinho, abriu os braços, esticou o peito para frente e em passos largos tomou o rumo da sua casa.

Quando chegou de frente a ela, a multidão lotou a rua. Inquieta fazia um burburinho. Com um gesto rápido de psiu! Zé arranjou o silêncio rapidamente.

Olhou para janela do quarto de casal, agora fechada. Deu os primeiros passos em direção à porta. A multidão prendeu a respiração. Zé pegou a chave na porta e não permitindo qualquer ruído, colocou o segredo da fechadura e vagarosamente destrancou a porta.

Voltou-se para a multidão e com o dedo na boca repetia o gesto de silêncio. Logo em seguida fez o V da vitória e sentiu a força de sua popularidade ao ver tanta gente.

Entrou e encostou a porta. Ficando lá os mais demorados 15 a 25 minutos.

Em dado momento, a porta abriu rápido e sai lépido o marido traído com um largo sorriso no rosto.

Ninguém ouviu tiros ou gritos. Todos querendo saber o que se passou.

Da Cinta deu meia volta e saiu a passos largos, não falando com ninguém. Só parou na pracinha. Subiu no caramanchão e olhou a multidão.

Contabilizou que toda a cidade de Tomba Homem estivesse ali, menos é claro, a Santinha. E a multidão aos gritos perguntava: o que aconteceu lá dentro? E em coro gritavam: Você o matou? Você o matou?

Zé Da Cinta, do alto da escada, pigarreou, enchendo os peitos falou para todos escutassem.

Matar, matar mesmo eu não matei não! Mas dei uma cagada e enchi as botas dele de bosta!

E foi aclamado pela multidão.