Sábado De Arte Na Avenida Paulista

Um mero Sábado à tarde, na Avenida Paulista. Após uma rápida passada na séde do Clube dos Avulsos, decidí dar uma volta com meu violão na Paulista. À princípio, mais como um observador analítico de cenários, à sondar a região.

Saí caminhando sentido Masp. Ao chegar lá, encontrei três pessoas: um senhor panfletando, um cara vendendo livretos (acho que eram de poemas) e um garoto com cabelo black power, estilo Caetano Veloso, na época da Tropicália. Este último, caracterizado com maquiagem branca no rosto, um olho preto, boca preta, uma mão com unhas pretas, orelha e rabo de gato. Ele estava recolhendo seu violão e pareceu-me que iria partir.

Parei perto deles e fiquei intacto. Em segundos, o panfleteiro veio e puxou assunto sobre a minha gaita, já em mãos. Passei a gaita à ele e começamos à conversar. O “gato-garoto" se aproximou também. Eu me apresentei como Samuel Carnero e ele disse que se chamava Gabriel Caetano.

Ele estava indo mudar táticas. Disse-me que iria entrar em ônibus pela Paulista e tocar, passando o chapéu. Nisso, saquei meu violão e comecei sutilmente uns arranjos, meio tímido. Ele, subitamente retirou seu violão da capa e começou à me acompanhar. Perguntei se um chapéu seria útil. Ele tirou o dele do bolso e lançou-o ao chão. Começamos à tocar. Estava muito sol e o "ponto" não era dos mais estratégicos. Decidimos atravessar a rua e irmos em frente ao Parque Trianon.

Tocamos, conversamos, nos conhecemos. Eu fiz uma música minha. Ele, uma música dele. Entre improvisos, duetos, solos com base etc etc, permanecemos por alí. Nada de moeda ao longo de vinte minutos. Apenas pessoas passando, olhando, parando. Mulher com bebê no carrinho, casais, mulheres. Mulheres aliás gatas que pararam para tirar fotos com a gente. Uau! Como eu estava em serviço, não xavequei. Partiram.

Dei uma idéia ao Gabriel, ele aprovou. Joguei dois reais no chapéu e ele mais algumas moedas. Acho que deu certo, aos poucos foram pingando moedinhas por parte do público. Armou-se um tempo de chuva. Antes da chuva cair, encostaram perto da gente dois tiozinhos e uma tiazinha, ébrios, e disseram:

- Boa tarde, nós somos da rua, por favor toca uma música pra gente ouvir?

Infelizmente um "pé d'água" veio ao nosso encontro. Recolhemos as coisas e fomos para debaixo do vão livre do Masp. Mas deu tempo de o Gabriel "mandar" um Legião Urbana e os tiozinhos dançarem um pouco. Missão cumprida daquele lado da Avenida.

Já de volta ao vão livre do Masp, uma amiga de Gabriel, Ana, chegou até nós. Ela vendia revistas "OCAS", ao custo de três reais, onde dois reais ficavam para ela, e um para a revista. Justo. Ficamos proseando, falando de teatro, shows, Sesc, saraus, etc etc...

A chuva se foi e Ana nos chamou para tomar uma num barzinho, atrás do Masp, perto do Opção. Fomos lá e tomamos três ampolas, regado à filosofia, papos-cabeça, artes, política, sociedade. Gabriel sacou de súbito seu caderno, sempre cheio de anotações, poemas, insights, contos, crônicas e músicas. Desatinou à escrever. Sim, era uma poesia para minha pessoa, “O Suficiente”, postado aquí no Recanto das Letras, no Perfil Gabriel Caetano.

Por volta de seis da tarde, liguei para um amigo, que estava em um churrasco. Convidei Gabriel para ir ao churras e ele aceitou. Porém, ao chegarmos ao Metrô Consolação, telefonei de novo para meu amigo. O churras havia acabado, ou quase. Decidimos ficar na boca da escada rolante do metrô, na parte transparente. Jogamos o chapéu.

Sempre rodeados de improvisos e criatividade pura, começamos com belas canções e eu, com minha voz afiada, cantei em alto e bom som, para atrair as pessoas. Moedas começaram à pingar. Mãe com filho jogou balas de banana. Outros, jogaram moedas. Pingou-se uma nota de dois. Eu, extasiado, feliz, nem olhei para o chapéu. De repente, da saída da escada saiu um grupo de amigos, e com eles um cara figura com um violão já em punho, sem capa. Ele entrou criativamente em minha base de "Somewhere in times you´re going" e solou loucamente muito bem. Passei a gaita para o amigo dele. Tivemos naquele momento três violões e uma gaita. Eles ficaram por alguns minutos e partiram.

A cena que mais me emocionou no metrô foi quando um menino de rua, de uns cinco anos, pobre, se abaixou e depositou uma ou duas moedas, não me lembro. Dez centavos apenas, porém aquela cena marcou-me para o resto da vida. Eu não era um engenheiro. Eu era um artista trabalhando, me apresentando. A criança de rua, se sensibilizou e ajudou com o que tinha, muito mágico.

Tocamos tocamos...quando após umas horas, os seguranças do metrô pediram para a gente sair dalí, pois não podia tocar naquele local. Disseram que estava legal o som, que por eles tudo bem, mas que regras são regras. Peguei o chapéu no chão e nem percebí como ele estava pesado. Contamos as moedas, dez reais. Passamos no tiozinho de lanche. Comemos cachorro-quente, bebemos refrí. Decidimos voltar à séde do Clube dos Avulsos, encontrar meus amigos. Após jantarmos, partimos sentido Brigadeiro Luís Antônio.

No caminho, um tiozinho, trabalhador, quis saber como fazia para se chegar até a Estação da Luz. Ele estava perdido, longe de casa e sem dinheiro. O informamos como ele faria para chegar até lá, de ônibus. Sem eu dizer nada, mas já com o "feeling" de que ela não tinha grana, Gabriel percebeu o mesmo e sacou as nossas últimas moedas, troco dos lanches. Sim, uns dois reais e cinquenta. Salvamos o trabalhador. Agradecido, ele partiu para o seu lar.

Continuamos andando e Gabriel decidiu ir às escadas do Masp, apresentar-me à uns amigos alternativos dele. Havia uma galera bebendo, tocando também. Saquei meu violão e toquei algo para eles. O clima era de sarau, mas já tinha uns nego doido lá! De repente outro doido chega na roda e diz:

- Pessoal, toca Legião pra esses dois casais aquí?

Eram dois casais inteiros de preto. Maquiagem preta, sobretudo preto. Estavam em outra roda, mas vieram para nos ouvir. Casal bonzinho, misto de emo com gótico. Me salvei e pedí para Gabriel tocar, pois não sei muitas canções da Legião. Acompanhei com a gaita e batuques no violão. Tocamos mais umas três músicas e partimos, sentido Séde.

Já na altura do extinto Stand Center, encontramos um violinista erudito, acabando de chegar para seu trabalho artístico na rua. Sapato social mocassim, calça social, blusa de lã. Sorriso bom, cara de bonzinho. Nos cumprimentou e decidimos parar um pouco. Formou-se então uma bandinha. Dois violões, um violino, inspiração. Leandro, era o seu nome. Pela primeira vez na vida conseguí um som de violino em minhas músicas. Sim, ele fez os arranjos para "Trevo", "Eu não posso parar", "Ilusões" e também em “Times Like These” (que não é de minha autoria). Sugerí à Leandro que alí não era um ponto bom para se tocar, pois estava escuro e o fluxo de gente era pequeno para o horário. Fomos para o Metrô Brigadeiro.

No metrô, um pouco mais de gente, porém eu e Gabriel já havíamos trabalhado e estávamos cansados, porém felizes. O clima foi mais de conversas, contatos e improvisos. Haja vista que em trinta minutos não pingou moeda na caixa do violino dele, eu me sensibilizei e, como um expectador, depositei dois reais.

Nos despedimos e fui com Gabriel para a Séde. Gabriel ainda teve pique para escrever mais uma crônica, algo como "como eu ví e vejo o Samuel Carnero". Muito bom! Pela primeira vez alguém escreveu sobre mim. Bebemos cerva com a galera da Séde e a noite adentrou-se, mágica, poética, inesquecível.

Samuel Carnero
Enviado por Samuel Carnero em 14/04/2010
Código do texto: T2195923
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.