RELAXA E DORME!

Ai, de novo não! “Nossa, você é uma pessoa tão calma...”. Pronto! Basta essa frase e já perco a calma. Ninguém percebe. É claro que não vou decepcionar meu interlocutor dizendo-lhe que está errado. Mas o meu desejo seria gritar bem alto: eu não sou uma pessoa CALMA! Você está enganado, meu caro! Não, não faço isso! Não que seja assim tão educada. Mas seria uma discussão inútil. Que diferença isso iria fazer para o aquecimento global? Nenhuma! Respiro fundo e passa mais essa. Deixa mais alguém pensar que sou calma....

Quando foi que descobri? O médico perguntou: “você é uma pessoa calma?”. Ai, que pergunta “facinha”, faz outra! Eu que sempre preciso pensar para responder a meu respeito, não hesitei: “sou, sou muito calma”. E por que foi fácil? Porque há anos me dizem isso. “Puxa, você é tão tranquila, tão calma, tão serena, fala tão delicadinho, sua vozinha passa uma coisa de paz pra gente...”. De tanto ouvir, acabei acreditando. Impressionante! Somos o que os outros nos fazem crer...

A consulta e o veredicto: “você é ansiosa!” O quê? Ansiosa, eu? Tive vontade de sair dali imediatamente. Sim, em sinal de repúdio! Quem aquele médico pensava que era? Onde já se viu uma bobagem daquelas? Eu não era ansiosa! Se fosse não teria aguentado as mais de cinquenta perguntas que me foram feitas. Então tudo que eu sabia virava mentira agora? O espelho era um mentiroso. As pessoas e suas palavras, uma farsa! As impressões, todas falsas? Usurpada! Foi assim que me senti. Lesada, malograda, enganada no meu plácido direito conquistado de ser calma...

Verdade dita. Irremediavelmente dita! Sou ansiosa. Saí dali e fui aprender a ser calma. Não paro de aprender. Comecei por me entender: durmo cedo para o dia seguinte chegar mais depressa. Corro muito pra noite chegar correndo. As aulas começam às 12h30, às 11h já sou toda aula. Concentração! Não atendo telefone, não faço mais nada. A consulta é às 15h, às 12h já estou saindo. O ônibus sai às 8h, às 6h já estou de plantão (depois de acordar dez vezes, sonhando que o relógio despertou). Detalhes importantes: de casa ao trabalho são 7 minutos, ao hospital são 10, e à rodoviária são 15. Então já sei o que precisa mudar...

Fui, por exemplo, a única noiva que conheço que chegou adiantada ao próprio casamento. A cerimônia era às 12h (também não conheço ninguém que se tenha casado ao meio-dia) e às11h já tentavam me impedir de sair de casa. Ia ficar feio, eu não achava? Podia parecer que estava “ansiosa” pra casar. Esperasse pelo menos mais um tempinho. Quem tentou me persuadir perdeu um tempão. Fui cedinho e fiquei lá “tranquila” esperando o noivo que, por sinal, chegou atrasado (por pouco não havia casamento, porque a noiva, não suportando esperar, foi embora).

Mas me controlo. Caminhada, yoga, hidroginástica, gotinhas homeopáticas costumam fazer milagres nestes casos. Vou seguindo as receitas. Faço progressos. Já sei que não sou o mar de placidez que me dizem ser. Até convivo bem com minha falsa “calmice”, ou minha oculta ansiedade, que no fundo são a mesmíssima pessoa. Sofro menos quando tentam me coroar com o raminho de flores da tranquilidade. Deixa as pessoas dizer o que quiserem (elas também não sabem o que dizem)! Posso até não ser tão calma. Mas também não sou mais tão ansiosa como era antes de saber. O relógio já não é mais uma ameaça viva a me olhar com seus olhos de ponteiros. E quando o dia seguinte me acena com seus mil e um compromissos, afundo a cabeça no travesseiro, respiro e digo “relaxa e dorme”. E durmo na maior calma....