Instinto (fragmentado)

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Os relacionamentos pulam de um instinto para o outro. O primeiro é a busca pela presa. Ela pode ser tão igual quanto tantas outras: a primeira ideia apenas preencher o vazio do estômago. Aliviar aquela dor que arranha as paredes internas do organismo, desejando por uma forma de nutrir suas satisfações. Estar sozinho, no primeiro momento, é uma dor quase insuportável. É que você passou quase tanto tempo caçando carne nova que simplesmente se cansou de procurar e foi buscar em algum buraco qualquer.

O segundo instinto é o da segurança. Encarando, então, os olhos do bezerro mais inocente e cheio de confiança que te apareceu em algum curral, não pensou duas vezes antes de abocanhá-lo, acreditando que aquilo era o suficiente para te suprir por uma vida inteira. Quando se está satisfeito, parece que não falta mais nada e que a fome não vai apertar até você se sentir preparado para isso. Não importa quantos outros pratos interessantes apareçam como tentação, seu estômago já está tão estufado com o mais-do-mesmo que não tem mais olhos para carne nova. Caminhar se torna tranquilo. Não se tem mais fome ou sede, e o corpo se conforma com a calmaria da estrada e estabilidade do processo.

Isso até chegar o terceiro instinto. Depois de dias comendo do mesmo prato, a sensação que se tem é a vontade de experimentar outra coisa. E não é preciso buscar em um rancho ou mercado diferente para controlar aquela pontinha de fome que começa a aparecer. Muitas vezes a carne passada duas vezes parece mais apetitosa quando você já tem o prato servido com outra coisa.

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É claro que existem outros instintos. Vou me privar momentaneamente de descrições mais detalhadas, mesmo porque nunca vai ser possível descrever verdadeiramente como eles são, seja qual for o estágio da minha vida.

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E surge dúvida sobre o instinto da fidelidade.

Não. Fidelidade não é instinto. É só um tira-gosto que serve para manter a boca ocupada antes da embriaguez.