APAIXONADOS

Querido leitor, está aqui atraído pelo título? Ótimo. Prossiga lendo, por favor. Você gostará desta crônica.

Ali, pela década de 60, na cidade de Aracaju, minha terra natal, ainda não funcionavam as emissoras de TV. Essas vieram a surgir mais adiante, apresentando programação em preto, branco e cinza chuviscado. Vivíamos do rádio em emissoras locais, nacionais e, se o aparelho fosse de boa qualidade, do tipo Philips (holandês), ouvíamos as internacionais, a exemplo da famosa BBC of London.

Os programas domésticos, acanhados, eram semelhantes aos ainda praticados: noticiários cheios de dramas e sangue, entrevistas, política, esporte, cultura e programas de auditório com direito a show de calouros de todas as idades, que sonhavam com a fama no Sul maravilha. José Augusto, o sergipano, filho da cidade de Aquidabã, era um profissional do canto romântico, inclusive em língua espanhola, faleceu num acidente automobilístico. Rapaz bonito (pude ver nas capas dos discos de vinil), voz esplendorosa, sofreu um acidente automobilístico, quando deveria realizar um show em Feira de Santana/BA.

Quem desejar ouvir suas canções que inundaram os corações brasileiros acesse http://palcomp3.com/joseaugustoeternasaudade/. Uma das páginas musicais mais bonitas intitula-se SOMBRAS. A Rádio Aperipê (Governo de Sergipe) mantém um programa em homenagem à eterna saudade dos sergipanos.

Sombras

Composição: Composição: Francisco Juan Lomuto e José María Contursi Versão: Hélio de Araújo

No mesmo drama penoso em que eu vivo

Para voltar teu amor para mim

Foram mentiras suas juras de amor

E só deixaram sombras tristes assim

Se teu amor fosse mesmo verdade

E tu sofresses o quanto eu sofri

Entenderias o dilema de um triste coração

Que ama e não é feliz

Sombras, nada mais, atormentando o meu ser

Sombras, nada mais, que me vão enlouquecer

Hoje, estás feliz, ao lado de outra vivendo

E eu, sozinha, aqui sofrendo

E aos poucos vou morrendo

Este drama sem final

Sombras, nada mais, atormentando os meus dias

Sombras, nada mais, nunca mais tive alegria

[Solo]

Sombras, nada mais, atormentando o meu ser

Sombras, nada mais, que me vão enlouquecer

Hoje, estás feliz, ao lado de outra vivendo

E eu, sozinha, aqui sofrendo

E aos poucos vou morrendo

Este drama sem final

Sombras, nada mais, atormentando os meus dias

Sombras, nada mais, nunca mais tive alegria

O programa radiofônico mais esperado das emissoras nacionais era o Miss Brasil (Rede Tupi/RJ). Os internacionais só para gente que apreciava e entendia de línguas estrangeiras. Àquela época, eu pouco sabia, além de good mornings e good byes, mas fingia entender tudo para impressionar os cegos. Eu tinha um olho.

“Ao cair da tarde”, os ares aracajuanos estavam impregnados de música com histórias de amores desesperados e traições. Ou dos inesquecíveis baixos de Luiz Gonzaga, o Rei do baião.

Não importava se jovem, adulto ou velho, todos deliravam em uníssono, pois apaixonados unidos jamais serão vencidos.

E do jeito que sergipano adora uma paixonite, nas residências os rádios amanheciam e anoiteciam funcionando. Pela madrugada, beleza, a paixão virava uma fornalha. Todo bichinho apaixonado e chorando. Quem não tivesse um amor, tinha de logo providenciar, ou passaria a ser uma espécie de pária social num universo do mais profundo cultivo ao romantismo.

As novelas, santo Deus, um caso sério. Mais lágrimas sobre o pobre receptor de ondas. Ainda me recordo, eu menina, olhava para o aparelho e tentava me convencer de que o locutor estava ali dentro. Mas a peste da lógica me fazia ver, por outro lado, que ali não cabia o menor dos anões de Branca de Neve. Aquele homem, uma autoridade, de voz celestial, deveria ser lindo e alto. Ai, que voz! Quantos sonhos! Quantas ilusões!

Eu e a minha turma de amigas inseparáveis nos apaixonávamos loucamente pelos famosos “speakers”. Vozes lentas, fortes, pausadas, compassadas, estudadas, arquitetadas, melosas, embrilhantinadas. Aqueles miseráveis faziam a propósito. E entravam falando pelos nossos úteros que, em nossa inocência, nem sabíamos onde eram localizados e muito menos para que serviriam.

Foram essas criaturas falantes que fizeram fremir esses órgãos e mais o que ainda se chamaria “ponto G”, pela vez primeira. SENHORAS E SENHORES, OUVINTES DA PRK... E MAIS UM MONTE DE INFORMAÇÕES PREFIXAIS E DE PATROCÍNIOS.

Aquilo era o orgasmo de todos os orgasmos. Não! Não era possível, ele nos via, sim, pois caprichava cada vez mais na pronúncia das sílabas, arrastando os erres, inventando sotaques. E dizendo palavras em língua inglesa. Ai! E nem ele e nem nós sabíamos o que dizia o condutor do programa de maior audiência do Estado de Sergipe.

Colegas ginasianas desmaiavam de enlevo pelos locutores, inclusive os que irradiavam as partidas futebolísticas, falando pelos cotovelos, inventando lances prodigiosos. A narrativa galopando célere até o esperado GOALLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL! GOALLLLLLLLLLLLL DO CLUBE ESPORTIVO SERGIPEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE! O juiz anulouuuuuuuuuu! E o povo no estádio gritando: ladrão, ladrão!

Muitas jovens realizaram sonhos e, mesmo feio como um sapo e sem cavalo branco, o príncipe obnubliava-lhes (esta palavra é ideal pra este contexto), e aí era que o fogo se atiçava.

Éramos inocentes “ao pé do rádio” e caíamos feito patinhas quando, nos programas musicais, o locutor dizia sugestivamente:

“AGORA, UM ADMIRADOR SECRETO DEDICA A TÂNIA MENESES A AUDIÇÃO DA MÚSICA NOSSO JURAMENTO”

O desgraçado do sonoplasta, fazendo altear e depois baixar a introdução da composição, contribuía para que a mocinha desfalecesse de paixão incontida. Bons tempos aqueles de noites de luar, de serenatas e de paixões imorredouras.