SEM INTERNET

Quem consegue viver sem sentir uma saudade é porque não viveu o motivo. Eu vivo falando sobre o que já foi, o que fui e o que é. Dá uma vontade danada de vir a ser em muitas vezes, não voltar a ser em várias outras e ou fazer tudo de novo do modo como a experiência ensinou. Tecnologia demais e muito rápido faz aumentar a sensação de saudosismo.

Não sei se foi um vício que criei com a internet ou se ela conseguiu sozinha se tornar essencial ao meu dia-a-dia. Para publicar eu já tenho certeza. Para o resto ainda estou testando. Outro dia eu li numa entrevista com o Antônio Fagundes ele dizer que é avesso à internet pelo fato de que as tecnologias criam necessidades que a gente não tinha.

A respeito do meu teste: resolvi fazer uma proposta de ficar uma semana desconectado. Um blecaute voluntário. Se bem que as operadoras e os provedores já costumam fazer isso com a gente sem pedir licença nem perdão. Mas nesses casos, a gente não tem tempo de curtir a sua falta. A indignação nos faz buscar outros meios rapidamente enquanto ouve as gravações que são feitas para nos enrolar quando eles dizem estar sanando os problemas. Fiz uma proposta para mim e mais três pessoas de meu convívio diário. De cara, a minha filha não topou. Já pensou um jovem praticamente nascido e criado na era eletrônica ficar sem internet um dia? Que inferno seria para quem está em sua volta! Eles usam o celular até para ir ao banheiro!

- Pai, deixa de ser velho, isso não existe!

Um outro amigo lá de minha cidade me disse

- Olha, lá em casa eu posso até tentar, mas não tenho como fazer o trato, porque no trabalho eu sou obrigado. Então pensei que o meu outro amigo que mora lá no sul do estado, na zona rural, criando galinhas poedeiras (ele vende ovos caipiras). Esse aí, eu achei que um radinho de pilha o contentaria, ele me responde:

- Quer me dar prejuízo, meu caro? Um dia aqui sem internet, eu perco a chance de oferecer omelete, sacou? Internet para mim é sinônimo de omelete na mesa dos outros. Eis que fiquei sozinho na minha saudade auto estimulada. E vi que posso fazer muitas coisas como ler um livro com mais calma, passear quatro horas de bicicleta em vez de duas, levar o cachorro para um passeio para emagrecer, pois acho que a sua gordura é do sedentarismo por culpa da internet que me deixa sentado aqui o dia inteiro , cuidar melhor das plantas do jardim... Escrever eu escrevo de caneta, mando carta pelo correio, procuro palavras no Aurélio, pesquiso em bibliotecas nos livros de papel. E essa crônica não é sobre bancos, mas de banco eu tenho trauma. É o lugar onde o ser humano é mais vulnerável, do ponto de vista socio-econômico. Se eu tivesse conseguido o pacto topava até atrasar umas contas. Esse eu prefiro na internet.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 24/04/2010
Reeditado em 24/04/2010
Código do texto: T2216073
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.