Pequenas conquistas perdidas

das lutas pela liberdade ao alisamento de cabelo

“tupi or not tupi”

Oswald de Andrade

As lutas por direitos existem desde que um homem tentou dominar outro homem, mas vou ficar com as últimas décadas e no Brasil, se não, haja papel.

As pequenas conquistas perdidas. Tudo que foi conquistado, da década de sessenta pra cá, tudo perdido. E veja que a barra era pesada. Por exemplo, eu nem poderia estar escrevendo isto sem um censor do lado.

Lutou-se muito pra termos o que chamamos de liberdade de expressão, muita gente foi calada, muito jornal empastelado, jornalistas e artistas mortos, exilados, presos e espancados. Só pra lembrar: Wladimir Herzog e Heleny Guariba. A lista é grande e triste. No entanto, como estamos usufruindo deste direito. Onde a investigação e a inventividade? Será que as injustiças acabaram, será que os talentos acabaram? O Ricardo Kotscho disse que quando lê jornal, de Boa Vista a Porto Alegre, parece que o redator é o mesmo. Os jovens atores e atrizes que antes faziam do teatro uma arte, uma arma em defesa da liberdade e do talento, hoje estão mais preocupados em subir na vida e ficar famosos. Os jovens recém formados em jornalismo queriam denunciar, denunciar a todo custo e hoje? Querem ser apenas Bernardes ou Bonners. O que foi feito “desta tal liberdade”?

O direito ao voto e ser votado, dos pobres e das mulheres. Às vezes, elegem umas excrescências que dá vontade de morrer ou vomitar. Gente vendendo e comprando votos. E quanta gente morreu por essa conquista...

Universidade livre, pública e gratuita - uma grande luta de professores e estudantes e hoje o que vemos? Caixas registradoras tilintando dinheiro, bolsas e diplomas.

E a nossa língua mãe, a bela língua portuguesa? Tantos mestres, grandes mestres, e agüente hoje o “muita das vez”, “apartir”, “a maioria foram”, assassinando a gramática. Quando querem destruir uma nação matam logo a sua língua. E aí comemos delivery e fast-food. Cadê a merenda? Estamos “deletando” a nossa língua e nunca mais tupi or not tupi, como dizia Oswald de Andrade.

A música brasileira, uma das mais ricas do mundo, se não a mais rica. Que em outros tempos ouvíamos escondidos da polícia política. Agora caiu em desgraça. É quase um milagre ouvir, nas tvs e rádios, um chico buarque, djavan, alceu valença, caetano, milton nascimento, zeca baleiro nem titãs mais... só se ouve gemido do gato, ganido da cachorrinha, sei lá. Universitários enchendo casas de gosto duvidoso com colapsos, ops, calypsos melosos, breganejos, sertanojos, pagodes miseráveis, bois industrializados e forrós fuleiros. Que tristeza. Universitários antes “mudavam o mundo”, com seus festivais.

A nossa literatura tão bela, tão perseguida, com livros sendo censurados, recolhidos autoritariamente das livrarias. Lembro que li, também escondido, exemplares que sobreviveram a sanha dos censores de “Feliz ano novo”, do Rubem Fonseca e “Zero”, do Ignácio Loyola Brandão e hoje o que estão lendo? Paulo Coelho com suas mesmices e livros de auto-ajuda-à-toa, Lair Ribeiro e outros Tibas . E os nossos Milton Hatoum, Márcio Souza, Ana Miranda, João Ubaldo... os mestres feito Érico e Graciliano.

E o cinema brasileiro, que tão combativo foi nos anos 60/70, (é verdade que não entendia Glauber Rocha e tinha vergonha de confessar), sofreu tanta repressão e também fez tanta picaretagem, hoje nos dá grandes obras, de Carla Camurati a Sérgio Resende e os atores e atrizes cheios de talento, de Fagundes a Selton Mello, Wilker a Nachtergale de Fernanda à Claudia Abreu, Natália Thimberg à do Valle e a Marieta, claro. As salas não ficam tão cheias assim e preferem mais os enlatados, filminhos da moda.

Saindo das artes e caindo nas artimanhas do comportamento:

As mulheres conquistaram suas liberdades, na pílula, no casamento (algumas estão querendo os velhos tempos onde o senhor mandava), nas saias, na liberdade e na opção sexual. Agora alisam os cabelos em chapinhas, progressivas e todos ficam parecendo a maga patalógica em seus botox. O comércio, usando a mulher pra vender todo tipo de produto, tão recriminado, agora, novamente usa a mulher, que nem pedaço de carne pra vender qualquer mercadoria com seus modelitos esquálidos e nus. E todos acham tudo muito natural, desrespeitando completamente a inteligência feminina.

As negras e negros que se descobriram belos com seus cabelos encaracolados e agora, perdendo a identidade, alisam e pintam o antigo poder negro de louro cor de burro quando foge.

Os adolescentes que tanto queriam ser diferentes, agora parecem um bando de clones, com seus celulares último tipo, futilidades e suas falas padronizadas. Sem a juventude criativa, o espírito transformador, a “metamorfose ambulante”.

E a estudantada com seus belos movimentos, sua busca pelo conhecimento. Agora, a ordem é “eu acho” e o “achismo” e se tornaram bases científicas. Os doutorandos parecem mestrandos, que parecem graduandos, que parecem colegiais, que parecem ginasianos, que parecem maternais... e tanto lutamos por um ensino público, livre e gratuito, por uma escola de excelência.

Isto sem falar do obscurantismo religioso que assola o país. Com suas leituras bem na sola do pé-da-letra e profundidade de pires. Quando antes vivíamos um ecumenismo salutar, onde todos tínhamos um pé na escadaria da igreja e outro no terreiro.

Com estas pequenas conquistas perdidas, chegamos, enfim, na ditadura da “ingnorância”. Quem sabe um dia, já que tudo é um “eterno retorno”, consigamos sair novamente deste mar de lama, das trevas, da cegueira e o ser humano encontre novamente o brilho da ciência, a igualdade na diversidade, o talento, o sagrado, a rebeldia, a sensibilidade, o sonho de mudar o mundo e voar com os pássaros

dori carvalho
Enviado por dori carvalho em 28/04/2010
Reeditado em 14/05/2010
Código do texto: T2224733
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