Mulheres do Barbosa, Barbosa das mulheres... ?

O computador se encontrava ligado à minha frente, o Word aberto. Uma pilha de papel se estendia sobre a mesa: enormes edificações de obrigações, que não me interessavam em nada - Mais um dia de trabalho.

Entre minhas tarefas acumuladas de dias, semanas, e algumas, de meses, encontravam-se fotos dispersas de namoradas. Eu adorava apreciar meus grandes amores. As tinha como meu tesouro. Minha mesa era, na verdade, repleta de fotos de diversas garotas. Existiam ainda algumas que ficavam guardadas dentro da gaveta. Entretanto, eu sempre as revezava, pra que nenhuma ficasse enciumada, ou se sentisse esquecida. Esse era o meu maior problema: Garotas!

Pedrão, da mesa da frente, sempre a exibir sua musculatura. Para si mesmo. Coitado! Vivia a reclamar sua carência eterna. Não conseguia entender o que as mulheres não viam nele.

Estava ocupado demais em se adorar, mal percebia as coisas a sua volta. Também sofria de uma limitação intelectual e acreditava que irritando qualquer garota com suas piadinhas inconvenientes as conquistaria. Nunca estava com ninguém. A solidão é um triste recanto ao qual, por vezes, nos acomodamos. Qualquer relacionamento de verdade exige uma certa parcela de coragem, de loucura, de vontade de se esquecer um pouco de si, e se ligar ao outro

Sua expressão facial demonstrava a cada fiasco em suas tentativas amorosas uma pequena parte da dor de não conseguir largar a si próprio um pouco de lado, e depois retornar, tendo a certeza de que ainda estaremos lá. Eu me esforçava em ser minimamente cúmplice, rascunhava um sorriso, sinal positivo com os dedos! Eu retribuía.

Rodrigo, outro amigo da repartição, passava o dia perdido em pornografias virtuais. Desde a hora em que entrava na sala à hora que saía, esbugalhava os olhos fixados à tela olhando bundas, peitos, coxas... Sexismo. A sua ilusão nem de longe poderia ser uma realidade. Dizia conseguir algumas aventuras com garotas que conhecia na net. Chegava a sugerir a Pedrão o “caminho das pedras”, que tinha ainda algumas dúvidas a respeito da fidedignidade das informações oferecidas pela internet e não se arriscava. O negócio dele “era mulher de verdade”, ele dizia. Para mim, seu maior problema era digitar. Ou mesmo, quem sabe, até, acessar a Internet.

Depois do expediente cada um tomava um rumo. Cada qual voltava à miserável vida que íamos estabelecendo para nós mesmos. Vivíamos a parte cinza da poesia que é viver. Pedrão sempre me chamava pra beber com ele no barzinho. Mas eu nunca fui de beber. Tenho certeza que o álcool imbeciliza a pessoa. Então tomava ônibus, ia para casa. Saía tão cansado do trabalho, que só queria chegar ao aconchegante ambiente do lar.

A vida corria a minha volta e por vezes eu sentia um forte vento bater sobre minha fronte vindo embaraçar-me os cabelos. Trazia-me alguma felicidade, com certeza de algum lugar distante, muito distante. Às vezes temos a impressão de que o melhor é ficarmos sozinhos. É apensa uma falsa impressão. Fui até a janela pra dar um suspiro, tomar um suco, apreciar minhas samambaias, aproveitar e conversar um pouco com elas.

Uma brisa toca o meu rosto como quem faz um carinho. Provavelmente aquela alegre brisa que sorria em minhas bochechas, testa e boca provinha de um sonho. Tal vento só poderia vir de um lugar que não da terra. Não da realidade. De algum lugar bem longe. Não existe lugar mais longe do que o sonho. Alcançar um sonho é como perseguir um arco-íris. Parece que está logo ali, prestes a ser alcançado. Abocanhar um pote de ouro. Mas no instante seguinte, eis que percebemos e nos frustramos, como crianças. Era apenas ilusão! E eis que o que estava tão perto, também não foi pra tão longe, mas, afastou-se, o suficiente para não alcançarmos. Com uma diferença, de fato, é que quando se trata de um sonho, toda vez que no aproximamos. Não é que ele se afugente. Quando estamos perto de alcançar o que tanto desejamos, surge um desejo incontrolável de ir além! Isso é típico do ser humano. Nunca se satisfazer com o que temos e querer mais. Não possuir um meio de canalizar essa energia é um grande problema.

O que me faltava para me esquivar do círculo fatídico das garotas com as quais me envolvia e construir um relacionamento de verdade, era coragem. No fim de todo relacionamento, eu fazia com que elas não se machucassem, ou acreditava nisso. Sempre fui um grande homem, mesmo depois do rompimento do namoro, me admiravam, eu pensava. Mesmo sabendo que no fundo, nem eu mesmo poderia admirar um homem tão covarde.

Sempre saía exaurido de uma relação. Como quem carrega sua amada em seu colo, mas tropeça - pois não pode olhar para o chão. Ela está no seu colo, você não vê o chão. Sem poder observar o solo, acaba tropeçando. Porém para que ela não se machuque, você com um esforço, enorme, dá um giro no ar, um malabarismo cavalheiresco, e se joga embaixo dela, para amortecer a queda! Assim eu fazia. Muitas vezes, os dois se machucavam. Uma manobra estúpida que na verdade eu já começava a desenhar no inicio dos relacionamentos. Bem poderia ser comparado à uma espécie de sadismo.

Muitas vezes pensava: O que é tão importante? Manter uma boa aparência em relação aos fatos? Não era isso definitivamente. Mas então por continuava eu a me torturar? Não sabia que na verdade eu negligenciava o que havia de mais humano em mim, os sentimentos, meus e alheios.

Esforçava-me para acreditar na fábula de que: elas quase sempre desejam os caras maus. E eu era bonzinho na medida certa. Não me imaginava um bobo, mas, antes de tudo um lobo!

De repente eis que bate a solidão! Pensei em ligar pra uma das minhas namoradas... Mas não! Vai que saía como uma e encontrava outra por aí. Nunca gostei de confusão. Fazia de tudo para evitá-las, para poupar a moça, também, de algum constrangimento. Sem saber, eu era tão sexista quanto Rodrigo da repartição, que perdia boa parte de sua vida canalizando suas energias criadoras para a ilusão de se realizar em bundas e coxas, vendo mulheres em sites de pornografia como se olhasse animais para o abate. Ele poderia passar o resto da sua vida naquele ciclo, sem se deixar convencer que efetivamente nunca iria encontrar o que estava procurando. Era vítima de um mercado que cresce sobre a ignorância que o homem perpetua sobre si mesmo, sobre o entendimento de si. Da mesma forma eu era tão imbecil e sozinho quanto Pedrão, e ao invés de admirar meus músculos, eu admirava minha capacidade de conquistar, sem que, de fato, conquistasse algo concreto, real, ou, mesmo, humano; e apenas acumulava na minha solidão remorsos e rancores. A traição e a mentira são os sintomas primeiros da solidão - daquele que, mesmo pensando o contrário, está sozinho.

Assim era Barbosa. Suas mulheres não o pertenciam, porque ele não pertencia a elas também, tanto como nem elas eram dele, como ele não era de ninguém, e assim era unicamente da solidão. Lugar comum que não contribui para nada, nem para as respostas, nem para as perguntas certas.

Gregório Borges
Enviado por Gregório Borges em 29/04/2010
Reeditado em 29/04/2010
Código do texto: T2227154
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